sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Graffiti

As inscrições em muros, paredes e metrôs - palavras e/ou desenhos -, sem autoria definida, tomam Nova York, no início da década de 1970. Em 1975, a exposição Artist's Space, nessa cidade, confere caráter artístico a parte dessa produção, classificada como graffiti. A palavra, do italiano graffito ou sgraffito que significa arranhado, rabiscado, é incorporada ao inglês no plural graffiti, para designar uma arte urbana com forte sentido de intervenção na cena pública. Giz, carimbos, pincéis e, sobretudo, spray são instrumentos para a criação de formas, símbolos e imagens em diversos espaços da cidade. O repertório dos artistas é composto de ícones do mundo da mídia, do cartum e da publicidade, o que evidencia as afinidades do graffiti com a arte pop, e a recusa em separar o universo artístico das coisas do mundo. Os grafiteiros remetem a origem de sua arte às pinturas pré-históricas e às inscrições nas cavernas. Nos termos de Keith Haring (1958-1990), um dos principais expoentes do graffiti nova-iorquino: "Decidi voltar ao desenho, que mudou pouco desde a pré-história e ainda guarda a mesma origem".
A definição e reconhecimento dessa nova modalidade artística impõem o estabelecimento de distinções entre graffiti e pichação, corroboradas por boa parte dos praticantes. Apesar de partilharem um mesmo espírito transgressor, a pichação aparece nos discursos críticos associada a uma produção essencialmente anônima, sem elaboração formal e realizada, em geral, sem projeto definido. No graffiti os artistas explicitam estilos próprios e diferenciados, mesclando referências às vanguardas e outras relacionadas ao universo dos mass midia. Cabe lembrar que vários artistas modernos - Brassaï (1899-1984), Antoni Tàpies (1923-2012), Alberto Burri (1915-1995) e Jean Dubuffet (1901-1985), entre outros - também incorporam elementos do grafitti em suas obras.
A produção de Haring se caracteriza pela ironia e crítica. No início dos anos 1980, suas imagens feitas com giz ocupam as superfícies negras das paredes do metrô, destinadas a cartazes publicitários. Bebês engatinhando, cachorros latindo, figuras magricelas etc. são suas marcas características.Em 1982, o mural com cores fluorescentes no Lower East Side e a animação para painel eletrônico na Times Square, Nova York, projeta o nome do artista, que desenvolve, a partir de então, projetos fora dos Estados Unidos: como o trabalho realizado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ), 1984, e a intervenção no Muro de Berlim , em 1986. Suas telas de Haring - por exemplo, Portrait of Macho Camacho (1985), e Walking in The Rain (1989) - guardam semelhanças com o graffiti, seja pela manutenção da linha solta das inscrições e rabiscos, seja pelo repertório mobilizado.
Jean-Michel Basquiat (1960-1988) é outro nome importante dessa modalidade de produção artística. Ele enfatiza as ligações do graffiti e do hip hop e com o mundo underground dos pichadores que o trabalho de Haring anuncia. De origem haitiana, Basquiat enraíza sua arte na experiência da exclusão social, no universo dos migrantes e no repertório cultural dos afro-americanos. Ao longo dos anos 1970, seus "textos pintados" tomam os muros do Soho e do East Village em Nova York, redutos de intelectuais e artistas, e fazem dele um artista conhecido. Mas sé na década seguinte que a caligrafia visual de Basquiat - com suas referências à anatomia humana, ao rap, ao break dance e à vida nova-iorquina de modo geral - passa a ser reconhecida, pela sua colaboração com Andy Warhol (1928-1987), em Arm and Hammer (1985), por exemplo.
As obras de Haring e Basquiat tornam-se referências para experimentos com graffiti realizados em grandes cidades de todo o mundo. Em São Paulo, as imagens de Alex Vallauri (1949-1987) - figuras das histórias de quadrinhos, carrinhos de supermercado, o jacaré da marca Lacoste etc. - começam a ser identificados, entre 1978 e 1979. Ao lado dele, destacam-se os trabalhos de Zaidler (1958) e Carlos Matuck (1958). O grupo Tupinão Dá, 1986,- Carlos Delfino, Jaime Prades (1958), Milton Sogabe (1953), José Carratu e outros -, é mais uma referência importante quando o assunto é o graffiti na capital paulista, pois o grupo realiza performances e grafitagens pela cidade em toda a década de 1980. A Bienal Internacional de São Paulo de 1987 abre espaço para essa produção ao exibir uma parede pintada pelo grupo. Os adeptos do graffiti reconhecem seu débito em relação à arte pop e às experiências dos artistas norte-americanos.

FONTE DE PESQUISA
GRAFFITI . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3180/graffiti>. Acesso em: 15 de Fev. 2019. Verbete da Enciclopédia.

Centro Popular de Cultura - CPC

O Centro Popular de Cultura - CPC é criado em 1961, no Rio de Janeiro, ligado à União Nacional de Estudantes - UNE, e reúne artistas de distintas procedências: teatro, música, cinema, literatura, artes plásticas etc. O eixo do projeto do CPC se define pela tentativa de construção de uma "cultura nacional, popular e democrática", por meio da conscientização das classes populares. A idéia norteadora do projeto diz respeito à noção de "arte popular revolucionária", concebida como instrumento privilegiado da revolução social. A defesa do caráter coletivo e didático da obra de arte, e do papel engajado e militante do artista, impulsiona uma série de iniciativas: a encenação de peças de teatro em portas de fábricas, favelas e sindicatos; a publicação de cadernos de poesia vendidos a preços populares; a realização pioneira de filmes auto-financiados. O engajamento cepecista encontra-se sistematizado no Anteprojeto do Manifesto do Centro Popular de Cultura, de autoria do sociólogo Carlos Estevam Martins (1962), primeiro diretor do CPC. O documento postula o engajamento do artista frente ao quadro político e cultural do país no período e faz o diagnóstico da impossibilidade de uma arte popular fora da política. De acordo com o Anteprojeto, a arte do povo é "de ingênua consciência", "desprovida de qualidade artística e de pretensões culturais", não tem outra função, senão "a de satisfazer necessidades lúdicas e de ornamento". Ao definir a arte como um dos instrumentos para a tomada do poder e o artista como aquele que assume um compromisso, ao lado do povo, o CPC defende um "laborioso esforço de adestramento à sintaxe das massas", mas de modo a tirá-las de seu lugar de alienação e submissão.
A criação do CPC tem lugar no governo de João Goulart (1919 - 1976), em um contexto de forte mobilização política, com a expansão das organizações de trabalhadores, no campo e nas cidades. As classes médias - sobretudo intelectuais e estudantes - estão presentes nos partidos políticos (o Partido Comunista Brasileiro - PCB ocupa lugar de destaque no quadro cultural da época e atrai formadores de opinião, como jornalistas, artistas e profissionais liberais em geral) e em entidades como a própria UNE. A militância política e o engajamento cultural andam de mãos dadas: os temas do debate político ecoam diretamente nas produções artístico-culturais. Essa situação difere da "utopia desenvolvimentista" dos anos  1950, que estimula o diálogo cerrado das vanguardas artísticas - do concretismo, por exemplo - com a técnica, com a indústria e com o mercado. Segundo Carlos Estevam Martins, a idéia do CPC tem origem no interior do grupo paulistano Teatro de Arena, por ocasião de uma temporada no Rio de Janeiro das peças Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri (1934), e Chapetuba F.C., de Oduvaldo Vianna Filho (1936 - 1974). As insatisfações de alguns integrantes do Arena com o próprio grupo, que, apesar dos esforços, permanece um "teatro de classe média", levam à montagem da peça de forte caráter didático A Mais Valia Vai Acabar, seu Edgar, de Oduvaldo Vianna Filho e Chico de Assis, com música de Carlos Lyra (1939), encenada no Teatro da Faculdade Nacional de Arquitetura, no Rio de Janeiro, em 1960. Da concepção da peça é convidado a participar Carlos Estevam, então sociólogo do Instituto Superior de Estudos Brasileiros - ISEB, para que colabore com uma "explicação científica e didática da mais-valia", conceito integrante da teoria marxista. O grupo aí reunido organiza, em seguida, um curso de filosofia com José Américo Pessanha, realizado em auditório cedido pela UNE. Os debates ao longo do curso dão forma à idéia do CPC, que se beneficia de outras experiências, sobretudo a do Movimento de Cultura Popular - MCP, fundado no Recife por Germano Coelho, Ariano Suassuna (1927), Hermilo Borba Filho, Abelardo da Hora (1924), Aloizio Falcão, Paulo Freire (1921 - 1997), Francisco Brennand (1927) e Luís Mendonça. O MCP, ligado à Secretaria de Educação do Município, desenvolve atividades em diversas áreas (mas sobretudo no campo teatral) a partir de um forte programa pedagógico que visa "a elevação do nível cultural do povo".
A influência direta do MCP sobre a concepção do CPC pode ser notada na prevalência do teatro sobre as demais artes, no trabalho coletivo, na defesa do engajamento e da necessidade de conscientização do povo.
Entre dezembro de 1961 e dezembro de 1962, o CPC produz as peças Eles Não Usam Black-Tie e A Vez da Recusa, de Carlos Estevam; o filme Cinco Vezes Favela - que reúne Couro de Gato, de Joaquim Pedro de Andrade (1932 - 1988), Um Favelado, de Marcos Faria, Escola de Samba e Alegria de Viver, de Cacá Diegues (1940), Zé da Cachorra, de Miguel Borges e Pedreira São Diogo, de Leon Hirszman (1937) -; a coleção Cadernos do Povo e a série Violão de Rua, das quais participam Moacir Félix (1926), Geir Campos (1924 - 1999) e Ferreira Gullar (1930). Promove, ainda, cursos de teatro, cinema, artes visuais, filosofia e a UNE-Volante, excursão de três meses pelas capitais do país para contatos com as bases universitárias, operárias e camponesas. Posteriormente, o CPC fortalece a área de alfabetização de adultos e o setor de arquitetura, que funciona fundamentalmente para apoio das montagens teatrais. As oficinas de literatura de cordel contam com a participação de Félix de Athayde e de Ferreira Gullar. O projeto do teatro de rua, de Carlos Vereza (1939) e João das Neves (1935), assim como o teatro camponês, de Joel Barcelos, têm como objetivo levar a arte diretamente ao povo, pela encenação das peças nos locais de trabalho, moradia e lazer. O CPC promove ainda feiras de livros acompanhadas de shows de música - para os quais convidam os "sambistas do morro", Zé Kéti (1921 - 1999), Nelson Cavaquinho (1910 - 1986) e Cartola (1908 - 1980) - que contam com a adesão de Vinícius de Moraes (1913 - 1980). A coleção Cadernos Brasileiros e a Revista Civilização Brasileira, editadas por Ênio Silveira (1925 - 1996), e História Nova, organizada por Nelson Werneck Sodré, sugerem a intensa colaboração entre os intelectuais do ISEB e do CPC. No campo das artes plásticas, de menor destaque que as demais, colaboram Júlio Vieira (1933 - 1999), Eurico Abreu (1933 - 1990), Delson Pitanga e Carlos Scliar (1920 - 2001).
Embora a experiência do CPC tenha dado frutos em outras regiões do país - em Belo Horizonte, por exemplo, onde atua o poeta Afonso Romano de Sant'Ana (1937) -, o seu locus é o Rio de Janeiro. Depoimentos indicam que as tentativas de trazer o CPC para São Paulo, por exemplo, fracassam em função da hegemonia do Teatro de Arena na cidade.
O golpe militar de 1964 traz consigo o fechamento do CPC, a prisão de artistas e intelectuais, e o exílio político. Mesmo assim, ecos do projeto cepecista reverberam em iniciativas posteriores, como no célebre show Opinião, em 1964, de Oduvaldo Vianna Filho, Armando Costa (1933 - 1984) e Paulo Pontes, que reúne Zé Kéti, João do Vale (1934 - 1996) e Nara Leão (1942 - 1989). O espetáculo possui certa  afinidade com o CPC, na medida em que defende ser a arte "tanto mais expressiva" quanto mais tenha uma "opinião", quanto mais se coloque como instrumento de divulgação de conteúdos políticos. A importância da experiência do CPC não deve desviar a atenção de outros movimentos e artistas que atuam na década de 1960, muitas vezes também a partir de um compromisso com a pauta nacional e popular, mas que não aderem ao projeto do grupo cepecista, por exemplo Glauber Rocha (1939 - 1981) e Hélio Oiticica (1937 - 1980). Isto, no entanto, não significa afirmar a falta de conexão entre seus trabalhos e o de integrantes do CPC. Oiticica, por exemplo, projeta a obra Cães de Caça (1961), que contém o Poema Enterrado, de Ferreira Gullar.

REFERÊNCIAS

BARCELOS, Jalusa. CPC da UNE: uma história de paixão e consciência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
ARTE EM REVISTA, n. 3. Questão "O popular". São Paulo, Editora Kairós, 1980, 106 pp, il. p&b.
HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/1970. São Paulo: Brasiliense, 1980. 199 p.
HOLLANDA, Heloisa Buarque de; GONÇALVES, Marcos Augusto. Cultura e participação nos anos 60. 10. ed. São Paulo: Brasiliense, 1982. 101 p. (Tudo é história, 41).
MORAIS, Frederico. Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro: da Missão Artística Francesa à Geração 90 : 1816-1994. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.
MOSTAÇO, Edelcio. Teatro e política: Arena, Oficina e Opinião. São Paulo: Proposta, 1982. 196 p.
RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV. Rio de Janeiro: Record, 2000. 458 p., il. color.

Teatro de Arena

Foi  fundado nos anos 1950, torna-se o mais ativo disseminador da dramaturgia nacional que domina os palcos nos anos 1960, aglutinando expressivo contingente de artistas comprometidos com o teatro político e social.
A primeira referência brasileira a um teatro em forma de arena surge numa comunicação de Décio de Almeida Prado, professor da Escola de Arte Dramática - EAD, em conjunto com seus alunos Geraldo Mateus e José Renato no 1º Congresso Brasileiro de Teatro, realizado no Rio de Janeiro em 1951, destacando o possível barateamento da produção teatral. No mesmo ano, essas idéias são postas em prática na montagem de José Renato, para O Demorado Adeus, de Tennessee Williams, ainda no âmbito da EAD.
A fundação da companhia Teatro de Arena ocorre em 1953, com a estréia, nos salões do Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM/SP, de Esta Noite É Nossa, de Stafford Dickens. Integram o grupo, entre outros, José Renato, Geraldo Mateus, Henrique Becker, Sergio Britto, Renata Blaunstein e Monah Delacy.
Ainda em 1953, produz-se um repertório, que inclui O Demorado Adeus, de Tennessee Williams, e Uma Mulher e Três Palhaços, de Marcel Achard, ambas sob direção de José Renato; além de Judas em Sábado de Aleluia, de Martins Pena, com direção de Sergio Britto, em 1954. As apresentações ocorrem em clubes, fábricas e salões. No final do ano é apresentada à imprensa a sala, situada na Rua Teodoro Baima, onde será instalado o Teatro de Arena.
Até 1956, o Arena experimenta diferentes gêneros de textos, visando compor um repertório e encontrar uma estética própria. Novo patamar é alcançado com a fusão realizada com o Teatro Paulista dos Estudantes, TPE, e a contratação de Augusto Boal para ministrar aulas sobre as idéias de Stanislavski ao elenco e encenar Ratos e Homens, de John Steinbeck. Entre os recém- chegados estão Gianfrancesco Guarnieri, , Milton Gonçalves, Vera Gertel, Flávio Migliaccio, Floramy Pinheiro, Riva Nimitz.Oduvaldo Vianna Filho A presença de Augusto Boal, que havia cursado dramaturgia em Nova York e conhecia os escritos de Stanislavski pela via do Actor's Studio, conduz o grupo a um posicionamento político de esquerda. Em 1957, Juno e o Pavão, de Sean O'Casey trata da luta do IRA, na Irlanda.
À beira da dissolução devido a uma crise financeira e ideológica, o grupo é salvo pelo sucesso de Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, com direção de José Renato, em 1958. Vislumbrando uma fértil possibilidade aberta pelos textos nacionais, que colocam em cena os problemas que a platéia quer ver retratados no palco, o Arena resolve criar um Seminário de Dramaturgia e laboratórios de interpretação. Novos textos demandam um novo estilo de interpretação, mais próximo dos padrões brasileiros e populares.
Entre 1958 e 1960, o Arena leva à cena diversos originais escritos pelos integrantes da companhia, num expressivo movimento de nacionalização do palco, difusão dos textos e politização da discussão da realidade nacional. Figuram, entre outros, Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Vianna Filho, direção de Boal, 1959; Gente Como a Gente, de Roberto Freire , 1959, e Fogo Frio, de Benedito Ruy Barbosa, 1960, ambos dirigidos novamente por Boal; Revolução na América do Sul, de Boal, direção de José Renato, 1960; O Testamento do Cangaceiro, de Francisco de Assis, mais uma direção de Boal, 1961.
Na excursão carioca de Eles Não Usam Black-Tie, Oduvaldo Vianna Filho e Milton Gonçalves, desligam-se do Arena e em 1961, participam da criação do Centro Popular de Cultura - CPC, iniciativa de base estudantil e destinada à agitação política, ligado à União Nacional dos Estudantes, UNE.
José Renato parte para um estágio na França, no Théâtre National Populaire, companhia de Jean Vilar. Ao retornar ao Brasil, procura por em prática a noção de teatro popular, debruçando-se sobre clássicos da dramaturgia com o objetivo de, a partir de enfoques renovados, descobrir um teatro vivo e participativo. Essa fase, conhecida como de nacionalização dos clássicos, registra encenações de grande acuidade artística, fortemente influenciadas por Bertolt Brecht. Entre outras, são montadas Os Fuzis da Senhora Carrar, de Brecht, direção de José Renato, e A Mandrágora, de Maquiavel, dirigida por Boal, ambas de 1962. Nesse período, um colaborador constante é Flávio Império, com notáveis criações de figurinos e cenários.
Nomes como Paulo José, Dina Sfat, Joana Fomm, Juca de Oliveira, João José Pompeo, Lima Duarte, Myrian Muniz, Isabel Ribeiro, Dina Lisboa, Renato Consorte, entre outros, integram o elenco estável.
José Renato sai do Arena em 1962, mudando-se para o Rio de Janeiro, para dirigir o Teatro Nacional de Comédia - TNC, onde trabalha para reorganizar essa companhia estatal, nos moldes do Théâtre National Populaire - TNP. O Arena, a partir de então, tem entre seus sócios Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal. Em 1964 está em cartaz O Tartufo, de Molière. A nova realidade que se configura a partir do golpe militar faz a companhia reorientar os planos, assim como repensar o repertório. É preciso algo novo, para responder à nova situação e driblar a censura, que proíbe a representação de peças brasileiras realistas que faziam parte do repertorio da companhia.
A solução vem com a criação de Arena Conta Zumbi, de Boal e Guarnieri, que, estreando em 1965, marca o surgimento de um novo procedimento cênico-interpretativo, denominado sistema coringa. O tema escolhido é grandioso: a saga dos quilombolas no Brasil Colônia, momento de aguda resistência dos escravos ao domínio português. Fala de uma revolução e mostra como é possível construir uma outra realidade, mais justa e igualitária. Com o Coringa, todos os atores fazem todos os papéis, alternando-os entre si, prescindindo de um aprofundamento psicológico nas interpretações. A ligação entre os fatos, a narração dos episódios obscuros ficam por conta de um Coringa, elo entre a ficção e a platéia. O espetáculo torna-se um sucesso estrondoso - dois anos em cartaz. As canções de Edu Lobo, gravadas por diversos intérpretes, invadem rádios e TV, popularizando-se.
A experiência repete-se em Arena Conta Tiradentes, de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, em 1967. Novo sucesso, centrado sobre a Inconfidência Mineira, elevando Tiradentes à condição de mártir da luta contra a opressão. Este teatro que exorta à revolução política choca-se com a proposta do Teatro Oficina, que, no mesmo ano, está em cartaz com a encenação carnavalesca e antropofágica de O Rei da Vela.
A situação política do país complica-se com a instauração do AI-5. O grupo novamente tem de reposicionar-se. Augusto Boal organiza e monta Primeira Feira Paulista de Opinião, em 1968, no Teatro Ruth Escobar; e também MacBird, sátira de Barbara Garson sobre a Guerra do Vietnã e o assassinato de Kennedy. São produções pobres, feitas às pressas, para responder ao cada vez mais convulsionado momento político.
O palco do Arena é ocupado por duas experiências frustradas: O Círculo de Giz Caucasiano, de Bertolt Brecht, que não vai além da estréia; e La Moschetta, sátira renascentista de Angelo Beolco, que nem mesmo a interpretação de Gianfrancesco Guarnieri salva do malogro. Em 1969, tenta uma alternativa com A Resistível Ascensão de Arturo Ui, novo apelo a Bertolt Brecht. Mas o uso do Sistema Coringa, a dispersão de forças de Augusto Boal dividido entre muitos compromissos, e o clima político concorrem para um resultado frio, que não prende a atenção do público. Gianfrancesco Guarnieri desliga-se do Arena.
Uma saída momentânea para a crise é a remontagem de Zumbi, para percorrer um circuito internacional, no ano de 1970, juntamente com Arena Conta Bolivar, proibida no Brasil. Utilizando parte de um elenco jovem, Augusto Boal monta, em 1971, o Teatro Jornal - 1ª Edição, de onde nasce, no futuro, o Núcleo Independente. Nessa montagem, surge uma nova frente estética voltada para a mobilização popular. Com a leitura de jornais diários, o elenco improvisa notícias e apresenta diversas angulações do problema flagrado, oferecendo-se para ensinar o público. Essa é a gênese do Teatro do Oprimido.
Augusto Boal é detido em 1971, em meio a novos ensaios de Arena Conta Bolivar, e em seguida parte para o exílio. O Arena passa às mãos do administrador Luiz Carlos Arutin e do Núcleo, grupo remanescente do espetáculo Teatro Jornal. Doce América, Latino América, criação coletiva, com direção de Antônio Pedro, é apresentada até o fechamento do teatro, em 1972.
Segundo o crítico Sábato Magaldi, "O Teatro de Arena de São Paulo evoca, de imediato, o abrasileiramento do nosso palco, pela imposição do autor nacional. Os Comediantes e o Teatro Brasileiro de Comédia, responsáveis pela renovação estética dos procedimentos cênicos, na década de quarenta, pautaram-se basicamente por modelos europeus. Depois de adotar, durante as primeiras temporadas, política semelhante à do TBC, o Arena definiu a sua especificidade, em 1958, a partir do lançamento de Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri. A sede do Arena tornou-se, então, a casa do autor brasileiro.
O êxito da tomada de posição transformou o Arena em reduto inovador, que aos poucos tirou do TBC, e das empresas que lhe herdaram os princípios, a hegemonia da atividade dramática. De uma espécie de TBC pobre, ou econômico, o grupo evoluiu, para converter-se em porta-voz das aspirações vanguardistas de fins dos anos cinqüenta".

REFERÊNCIAS
Teatro de Arena. Dionysos, Rio de Janeiro, n. 24, out. 1978. Edição especial.
BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
MAGALDI, Sábato. Um palco brasileiro: o Arena em São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1984. 100 p.
MICHALSKI, Yan. O palco amordaçado: 15 anos de censura teatral no Brasil. Rio Janeiro: Avenir, 1981.
MOSTAÇO, Edelcio. Teatro e política: Arena, Oficina e Opinião. São Paulo: Proposta, 1982. 196 p.
______. O teatro sob pressão: uma frente de resistência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. 95 p.

TEATRO de Arena. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: . Acesso em: 15 de Fev. 2019.

Monólogo dramático