terça-feira, 8 de março de 2016

Caminhando - Lygia Clark

O Bicho! Lygia Clark. Itaú Cultural. SP. 2012.

Lygia Pimentel Lins: arte e participação do público


Lygia Pimentel Lins nasceu em Belo Horizonte MG em 1920. Pintora e escultora. Muda-se para o Rio de Janeiro, em 1947, e inicia aprendizado artístico com Burle Marx (1909-1994). Entre 1950 e 1952, vive em Paris, onde estuda com Fernand Léger (1881-1955), Arpad Szenes (1897-1985) e Isaac Dobrinsky (1891-1973). De volta para o Brasil, integra o Grupo Frente, liderado por Ivan Serpa (1923-1973). É uma das fundadoras do Grupo Neoconcreto e participa da sua primeira exposição, em 1959. Gradualmente, troca a pintura pela experiência com objetos tridimensionais. Realiza proposições participacionais como a série Bichos, de 1960, construções metálicas geométricas que se articulam por meio de dobradiças e requerem a co-participação do espectador. Nesse ano, leciona artes plásticas no Instituto Nacional de Educação dos Surdos. Dedica-se à exploração sensorial em trabalhos como A Casa É o Corpo, de 1968. Participa das exposições Opinião 66 e Nova Objetividade Brasileira, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ). Reside em Paris entre 1970 e 1976, período em que leciona na Faculté d´Arts Plastiques St. Charles, na Sorbonne. Nesse período sua atividade se afasta da produção de objetos estéticos e volta-se, sobretudo para experiências corporais em que materiais quaisquer estabelecem relação entre os participantes. Retorna para o Brasil em 1976; dedica-se ao estudo das possibilidades terapêuticas da arte sensorial e dos objetos relacionais. Sua prática fará que no final da vida a artista considere seu trabalho definitivamente alheio à arte e próximo à psicanálise. A partir dos anos 1980 sua obra ganha reconhecimento internacional com retrospectivas em várias capitais internacionais e em mostras antológicas da arte internacional do pós-guerra. Lygia Clark trabalha com instalações e body art. Em 1954, incorpora como elemento plástico a moldura em suas obras como, por exemplo, em Composição nº 5. Suas pesquisas voltam-se para a "linha orgânica", que aparece na junção entre dois planos, como a que fica entre a tela e a moldura. Entre 1957 e 1959, realiza composições em preto-e-branco, formadas por placas de madeira justapostas, recobertas com tinta industrial aplicada a pistola, nas quais a linha orgânica se evidencia ou desaparece de acordo com as cores utilizadas.

Para a pesquisadora de arte Maria Alice Milliet, Lygia Clark é entre os artistas vinculados ao concretismo, quem melhor compreende as relações espaciais do plano. A radicalidade com que explora as potencialidades expressivas dos planos, leva-a a desdobrá-los, como nos Casulos (1959), que são compostos de placas de metal fixas na parede, dobradas de maneira a criar um espaço interno. No mesmo ano, participa da 1ª Exposição Neoconcreta. O neoconcretismo define-se como tomada de posição com relação à arte concreta exacerbadamente racionalista e é formado por artistas que pretendem continuar a trabalhar no sentido da experimentação, do encontro de soluções próprias, integrando autor, obra e fruidor. Inicia, em 1960, os Bichos, obras constituídas por placas de metal polido unidas por dobradiças, que lhe permitem a articulação. As obras são inovadoras: encorajam a manipulação do espectador, que conjugada à dinâmica da própria peça, resulta em novas configurações. Em 1963, começa a realizar os Trepantes, formados por recortes espiralados em metal ou em borracha, como Obra-Mole (1964), que, pela maleabilidade, podem ser apoiados nos mais diferentes suportes ocasionais como troncos de madeira ou escada.
Sua preocupação volta-se para uma participação ainda mais ativa do público.Caminhando (1964) é a obra que marca essa transição. O participante cria uma fita de Moebius  August Ferdinand Moebius (1790-1868), matemático alemão: corta uma faixa de papel, torce uma das extremidades e une as duas pontas. Depois a recorta no comprimento de maneira contínua e, na medida em que o faz, ela se desdobra em entrelaçamentos cada vez mais estreitos e complexos. Experimenta um espaço sem avesso ou direito, frente ou verso, apenas pelo prazer de percorrê-lo e, dessa forma, ele mesmo realiza a obra de arte. Inicia então trabalhos voltados para o corpo, que visam ampliar a percepção, retomar memórias ou provocar diferentes emoções. Neles, o papel do artista é de propositor ou canalizador de experiências. Por exemplo, em Luvas Sensoriais (1968) dá-se a redescoberta do tato por meio de bolas de diferentes tamanhos, pesos e texturas e em O Eu e o Tu: Série Roupa-Corpo-Roupa (1967), um casal veste roupas confeccionadas pela artista, cujo forro comporta materiais diversos. Aberturas na roupa proporcionam, pela exploração táctil, uma sensação feminina ao homem e à mulher uma sensação masculina. A instalação A Casa É o Corpo: Labirinto (1968) oferece uma vivência sensorial e simbólica, experimentada pelo visitante que penetra numa estrutura de 8 metros de comprimento, passando por ambientes denominados "penetração", "ovulação", "germinação" e "expulsão".
Entre 1970 e 1975, nas atividades coletivas propostas por Lygia Clark na Faculté d'Arts Plastiques St. Charles, na Sorbonne, a prática artística é entendida como criação conjunta, em transição para a terapia. Em Túnel (1973) as pessoas percorrem um tubo de pano de 50 metros de comprimento, onde às sensações de claustrofobia e sufocamento contrapõe-se a do nascimento, por meio de aberturas no pano, feitas pela artista. Já Canibalismo e Baba Antropofágica (ambos de 1973) aludem a rituais arcaicos de canibalismo, compreendido como processo de absorção e de ressignificação do outro. No primeiro acontecimento, o corpo de uma pessoa deitada é coberto de frutas, devoradas por outras de olhos vendados; e, no segundo, os participantes levam à boca carretéis de linha, de várias cores e lentamente os desenrolam com as mãos para recobrir o corpo de uma pessoa que está deitada no chão. No final, todos se emaranham com os fios. A partir de 1976, dedica-se à prática terapêutica, usando Objetos Relacionais, que podem ser, por exemplo, sacos plásticos cheios de sementes, ar ou água; meias-calças contendo bolas; pedras e conchas. Na terapia, o paciente cria relações com os objetos, por meio de sua textura, peso, tamanho, temperatura, sonoridade ou movimento. Eles permitem-lhe reviver, em contexto regressivo, sensações registradas na memória do corpo, relativas a fases da vida anteriores à aquisição da linguagem.

A poética de Lygia Clark caminha no sentido da não representação e da superação do suporte. Propõe a desmistificação da arte e do artista e a desalienação do espectador, que finalmente compartilha a criação da obra. Na medida em que amplia as possibilidades de percepção sensorial em seus trabalhos, integra o corpo à arte, de forma individual ou coletiva. Finalmente, dedica-se à prática terapêutica. Para Milliet, a artista destaca-se sobretudo por sua determinação em atravessar os territórios perigosos  da arte e da terapia.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Conhecendo Museus - Episódio 47: Museu Histórico e Artístico do Maranhão

Museu Histórico e Artistico do Maranhão

Arte sacra e arte religiosa

A arte sacra é algo feito do ser da Igreja, da profundeza do ser cristão, é uma continuidade da liturgia e da celebração cristã e se põe a serviço da Igreja. A função da arte sacra é testemunhar a fé em Jesus Cristo. Ela é a visualização plástica do evangelho, a confirmação viva das doutrinas da igreja, e por isso, nos aproxima mais do verdadeiro sentido de ser um cristão.
A arte sacra tem uma função educativa, a obra de arte é um fenômeno comunicativo, tem como objetivo expressar uma verdade que vai além do racional, do conhecido, do humano. Seu objetivo é celebrar com a comunidade. Não é apenas a expressão do artista, mas de toda a comunidade na qual ele está inserido e a qual sua arte serve. É uma arte simbólica e centrada na fé em cristo. Suas formas são simples, cruas, as cores são chapadas e sem nuances, sem efeitos especiais. É expressão de algo maior, não cabe em si mesma. A arte sacra é meio e não fim. Não tem o objetivo de ser o centro, o fim em si mesmo, ao contrário, sabe que serve a algo maior. Não é antropológica, nem lírica, nem acadêmica. A arte sacra não serve para decorar a sala de uma casa, por exemplo.
Arte religiosa pode ser qualquer estátua ou pintura de algum santo feita, com o objetivo de ser um mero acessório em uma igreja, nunca a obra principal. A arte religiosa está ligada a imagens de devoção. A imagem de devoção nasce da vida interior do indivíduo crente e embora se refira a Deus ela pode servir para decoração, por exemplo, a arte do grafite em muros de prédios, casas, etc., públicos ou privados, a arte da tatuagem, pinturas, esculturas, gravuras, desenhos, etc.

A arte sacra está ligada a imagens de culto, enquanto a arte religiosa está ligada a imagens de devoção. A imagem de devoção nasce da vida interior do indivíduo crente e embora se refira a Deus o faz com conteúdo humano. A imagem de culto dirige-se à transcendência, enquanto a imagem de devoção surge da imanência. Na imagem de culto, Deus se manifesta e o homem emudece, contempla, reza.

Monólogo dramático