terça-feira, 20 de agosto de 2019

PURISMO


Assim como outros movimentos artísticos do período posterior à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o purismo propõe pensar os caminhos abertos à arte pelo cubismo. Surge oficialmente em 1918 com a publicação do livro Après le cubisme, redigido pelo pintor francês Amédée Ozenfant (1886-1966) e pelo pintor, escultor e arquiteto suíço Charles-Edouard Jeanneret, (1887-1965), mais conhecido como Le Corbusier. Principais teóricos do movimento, esses artistas criticam a transformação do cubismo em uma forma elaborada de decoração e reclamam a volta a uma arte "saudável", baseada na clareza e na objetividade, numa verdadeira e apaixonada defesa da "ordem". Ambicioso, o purismo tem uma vida breve (cerca de oito anos) e somente através do trabalho de arquitetura e de design atinge uma ampla reputação internacional. As declarações entusiasmadas dos puristas são veiculadas na revista de vanguarda L'Esprit nouveau (1920-1925), fundada por Ozenfant, Corbusier e pelo poeta Paul Dermée e que conta com a colaboração, em seus 28 números, de diversos artistas e intelectuais como Maurice Raynal, Pierre Reverdy, Blaise Cendrars (1887-1961), Fernand Léger (1881-1955), entre outros.

Segundo os puristas, existe no homem uma necessidade atemporal e que se faz presente na arte em diversos períodos: uma ordem imutável e essencial que responde ao desejo humano de encontrar o equilíbrio. Assim como a ciência, a arte é capaz de trazer à tona de forma clara e precisa fundamentos imutáveis que levem à proporção e harmonia do espírito, e conseqüentemente, à felicidade. Para atingir seus propósitos, inspiravam-se nas formas das máquinas e defendiam o uso das fórmulas numéricas clássicas. Nesse sentido, o purismo aproxima-se do humanismo renascentista, na medida em que acredita nas leis da harmonia fundadas na proporção como verdadeiras leis da vida.

Também a noção de funcionalismo na pintura, na arquitetura, no design e na engenharia tal como apresentada por Ozenfant e Corbusier é pensada em termos humanistas. O corpo humano e o desenvolvimento de seus órgãos encontra-se na origem da busca por objetos ou construções que respondam às necessidades funcionais do organismo e o completem, estabelecendo uma relação de harmonia com o homem. A idéia de função defendida pelos puristas vai além de sua compreensão enquanto utilidade. Uma construção só é realmente funcional quando, além da utilidade, é plasticamente harmoniosa em suas proporções. O funcionalismo humanista dos puristas crê na precisão, na simplicidade e na harmonia proporcional como qualidades estéticas.

A beleza da eficiência funcional, a importância da razão na arte, o valor da precisão, a ênfase no essencial e coletivo, são ideais modernos partilhados pelo purismo e por outros movimentos como o construtivismo e o De Stijl. Contudo, na produção pictórica os puristas negam a abstração geométrica. Para eles, que retomam muitos dos temas cubistas em suas telas, como objetos do cotidiano e instrumentos musicais, a pintura deve se empenhar em construir objets types (objetos exemplares ou padrão) inspirados na natureza e nas produções humanas, inclusive nas máquinas. Como afirma Corbusier, em 1924, "graças à máquina, à identificação daquilo que é típico, ao processo de seleção, à implantação de um padrão, um novo estilo se afirmará". Esse novo estilo é apresentado em 1925 em Paris no pavilhão Esprit Nouveau, por ocasião da Exposição de Artes Decorativas.  A casa purista de dois andares projetada pelo arquiteto suíço contém esculturas de Henri Laurens (1885-1954) e Jacques Lipchitz (1891-1973), alguns objets types produzidos industrialmente, pinturas puristas e mobiliário de madeira de Thonet. Tanto o espaço quanto seus elementos de decoração caracterizam-se pela total falta de ornamentação.

Em geral, as pinturas puristas apresentam formas com contornos bem definidos, em cores lisas e rebaixadas, de profundidade e perfil, construídas com extrema simplicidade e precisão geométrica. Nota-se que essa pintura purista de acabamento impessoal, divorciada de toda emoção e expressividade, não se estabelece como escola pictórica e não alcança grande popularidade em Paris. Os principais frutos do purismo são encontrados na arquitetura de Le Corbusier.  Seu livro Por uma arquitetura (1923) encontra ampla difusão. No Brasil, as idéias e a presença do arquiteto no país em 1936, como participante do anteprojeto para o Ministério da Educação e Saúde - MES no Rio de Janeiro, são decisivas para a formação da arquitetura moderna brasileira. No entanto, a influência desse movimento é ainda mais forte na produção de artistas e críticos, como Tarsila do Amaral e Mário de Andrade.

ART DÉCO


O termo art déco, de origem francesa (abreviação de arts décoratifs), refere-se a um estilo decorativo que se afirma nas artes plásticas, artes aplicadas (design, mobiliário, decoração etc.) e arquitetura no entreguerras europeu. O marco em que o "estilo anos 20" passa a ser pensado e nomeado é a Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas, realizada em Paris em 1925. O art déco liga-se na origem ao art nouveau. Derivado da tradição de arte aplicada que remete à Inglaterra e ao Arts and Crafts Movement, o art nouveau explora as linhas sinuosas e assimétricas tendo como motivos fundamentais as formas vegetais e os ornamentos florais. O padrão decorativo art déco segue outra direção: predominam as linhas retas ou circulares estilizadas, as formas geométricas e o design abstrato. Entre os motivos mais explorados estão os animais e as formas femininas. Nesse sentido, é possível afirmar que o estilo "clean e puro" art déco dirige-se ao moderno e às vanguardas do começo do século XX, beneficiando-se de suas contribuições. O cubismo, a abstração geométrica, o construtivismo e o futurismo deixam suas marcas na variada produção inscrita sob o "estilo 1925". O vocabulário moderno e modernista combina-se nos objetos e construções art déco com contribuições das artes hindu, asteca, egípcia e oriental, com inspiração no balé russo de Diaguilev, no Esprit Nouveau de Le Courbusier (1887 - 1965) e com a reafirmação do "bom gosto" estabelecido pela Companhia de Arte Francesa (1918).

O art déco apresenta-se de início como um estilo luxuoso, destinado à burguesia enriquecida do pós-guerra, empregando materiais caros como jade, laca e marfim. É o que ocorre, nas confecções do estilista e decorador Paul Poiret, nos vestidos "abstratos" de Sonia Delaunay (1885 - 1979), nos vasos de René Lalique (1860 - 1945), nas padronagens de Erté. A partir de 1934, ano de realização da exposição Art Déco no Metropolitan Museum de Nova York, o estilo passa a dialogar mais diretamente com a produção industrial e com os materiais e formas passíveis de serem reproduzidos em massa. O barateamento da produção leva à popularização do estilo que invade a vida cotidiana: os cartazes e a publicidade, os objetos de uso doméstico, as jóias e bijuterias, a moda, o mobiliário etc. Se as fortes afinidades entre arte e indústria e entre arte e artesanato, remetem às experiências imediatamente anteriores da Bauhaus, a ênfase primeira na individualidade e no artesanato refinado coloca o art déco nas antípodas do ideal estético e político do programa da escola de Gropius, que se orienta no sentido da formação de novas gerações de artistas de acordo com um ideal de sociedade civilizada e democrática.

A despeito de seu enraizamento francês, os motivos e padrões art déco se expandem rapidamente por toda a Europa e pelos Estados Unidos, impregnando o music hall, o cinema de Hollywood (onde Erté vai trabalhar em 1925), a arquitetura (por exemplo, a cúpula do edifício Chrysler, em Nova York, 1928), a moda, os bibelôs, as jóias de fantasia etc. Assim, falar em declínio do art déco na segunda metade da década de 1930 não deve levar a pensar no esquecimento da fórmula e das sugestões daí provenientes, que são reaproveitadas em decorações de interiores, em fachadas de construções, na publicidade etc. No Brasil, a obra de Victor Brecheret (1894 - 1955) pode ser pensada com base nas influências que sofre do art déco, em termos de estilização elegante com que trabalha formas femininas (Daisy, 1921) e figuras de animais (Luta da Onça, 1947/1948). Um rápido passeio pela cidade do Rio de Janeiro pode ser tomado como exemplo da difusão do art déco, impresso em vitrais, escadarias, decoração de calçamentos e letreiros. O interior da sorveteria Cavé, no centro da cidade, o Teatro Carlos Gomes, na praça Tiradentes, a Central do Brasil, entre muitos outros, revelam as marcas e motivos art déco.

LEMME, Arie van de. A guide to ar déco style. London: The Apple Press, 1986, 128 pp. il. p&b. color.

MAENZ, Paul. Art Déco: 1920-1940. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, S.A , 1974, 266 pp. il. p&b, color.

RAYONISMO


Raionismo, ou raísmo, termo que faz menção a um estilo pictórico desenvolvido na Rússia entre 1912 e 1914, tem como seus maiores representantes Mikhail Larionov (1881-1964) e Natalia Gontcharova (1881-1962). Remete diretamente à noção de raios de luz entrecruzados a partir dos quais a composição - geralmente orientada na diagonal - é construída. Luz e cor são os componentes fundamentais das obras raionistas. Se a luz no impressionismo é usada para realçar as coisas, aqui ela se torna o objeto do quadro, organizado em função de uma espécie de orquestração entre raios luminosos e cores. A idéia é menos representar a luz e o movimento, mas construir um espaço sem objetos - absoluto - formado por puro movimento e luz. Do ritmo dinâmico dos raios, que correm paralelos ou em sentidos contrários na superfície, se decompõem as cores do prisma. No Manifesto escrito em 1912 e publicado no ano seguinte na exposição Alvo organizada em Moscou por Larionov, Gontcharova e Malevitch (1878-1935) -, os artistas afirmam ser o raionismo uma "síntese do cubismo, do futurismo e do orfismo". À investigação da estrutura da composição - seus ângulos, volumes e planos geométricos - tal como empreendida pelo cubismo, soma-se a pesquisa do movimento de forma semelhante à realizada pelo futurismo, aos quais se associam os temas órficos (líricos e mitológicos), aliados ao uso da cor.

O movimento raionista está diretamente ligado aos seus criadores e às pesquisas formais levadas a cabo pelas demais vanguardas russas do começo do século: o suprematismo e o construtivismo. Embora com ênfases distintas, esses movimentos apontam caminhos variados para as pesquisas abstratas que terão lugar a partir de então. O suprematismo de Malevitch vai defender uma arte livre de finalidades práticas e comprometida com a pura visualidade plástica. O construtivismo de Vladimir Tatlin (1885-1953) pensa a pintura e a escultura como construções - e não como representações -, guardando proximidade com a arquitetura em termos de materiais, procedimentos e objetivos. Aí também se evidencia a pesquisa com o movimento, por exemplo, nos relevos tridimensionais de Tatlin. O raísmo sinaliza, a seu modo, um corte em relação à idéia de arte como representação, pela apresentação da luz e do movimento em abstrato. Na ambição de decompor a imagem em "diagrama de raios", o raionismo recorre ainda às pesquisas empreendidas pelo divisionismo de Paul Signac (1863-1935).

A primeira fase da obra de Larionov se beneficia mais de perto das sugestões da arte popular russa (por exemplo, nas séries Soldados e Prostitutas, 1980/1913). E é responsável pela organização de diversas exposições de vanguarda: a Valete de Ouros, em 1910, Rabo de Burro, 1912, e Alvo, 1913, quando é lançado o raionismo. De acordo com as linhas mestras do movimento, ele produz uma série de obras como Raísmo, 1911 e Raionismo Azul, 1912/1913. Em 1915, deixa a Rússia com sua mulher Gontcharova, e fixa-se em Paris em 1919. Nessa fase, abandona as pinturas e se dedica aos projetos cenográficos para os balés russos de Serguei Pavlovitch Diaguilev (1872-1929). Gontcharova se inicia na pintura em 1904 e com Larionov participa de uma série de atividades artísticas, como Valete de Ouros e Rabo de Burro. Em sua obra, apontam os críticos, ela combina as influências da arte popular, do fauvismo e do cubismo. Nos trabalhos realizados no movimento raionista é possível flagrar sua adesão mais decidida ao futurismo (Gatos, 1910, e Composição, ca.1913). Em Paris, produz cenários e figurinos para o teatro, também para os balés de Diaguilev. A saída de Larionov e Gontcharova da Rússia coincide com o abandono da pintura de cavaletes e com o fim do movimento raionista, pois nenhum deles deixa escola ou forma discípulos.

Ainda que as vanguardas russas de modo geral tenham deixado suas marcas na arte contemporânea brasileira - sobretudo nas produções de caráter construtivista do concretismo e do neoconcretismo - não é fácil localizar influências precisas do raionismo na arte nacional. Se a cor é elemento fundamental nos sintagmas visuais concretos, ligada à seriação e ao movimento - em obras de Hermelindo Fiaminghi (1920-2004) e Luiz Sacilotto (1924-2003), por exemplo -, ganhando maior conotação expressiva nas pesquisas neoconcretas - como em Aluísio Carvão (1920-2001) e Hércules Barsotti (1914-2010) -, ela parece distante dos ritmos luminosos do raionismo. A obra de Malevitch, sobretudo em sua vertente suprematista, esta, sim, parece mais afinada com a produção nacional dos anos 1950 e 1960. Vale lembrar que parte da obra de Malevich está presente na 22a Bienal Internacional de São Paulo, de 1994.

OP ART


O termo foi incorporado à história e à crítica de arte após a exposição The responsive eye O olhar compreensivo, MoMA/Nova York, 1965), para se referir a um movimento artístico que conhece seu auge entre 1965 e 1968. Os artistas envolvidos com essa vertente realizam pesquisas que privilegiam efeitos óticos, em função de um método ancorado na interação entre ilusão e superfície plana, entre visão e compreensão. Dialogando diretamente com o mundo da indústria e da mídia (publicidade, moda, design, cinema e televisão), os trabalhos da op art enfatizam a percepção a partir do movimento do olho sobre a superfície da tela. Nas composições - em geral, abstratas - linhas e formas seriadas se organizam em termos de padrões dinâmicos, que parecem vibrar, tremer e pulsar. O olhar, convocado a transitar entre a figura e o fundo, a passear pelos efeitos de sombra e luz produzidos pelos jogos entre o preto e o branco ou pelos contrastes tonais, é fisgado pelas artimanhas visuais e ilusionismos.

O húngaro Victor de Vasarely (1908) é um dos maiores nomes da op art. A partir de 1930, em Paris, o artista começa a explorar efeitos óticos pela utilização de dominós, tabuleiros de xadrez, dados, réguas, zebras e arlequins. Mas é a partir de 1947 que envereda pela abstração geométrica. "Não foi senão em 1947", diz ele, "que o abstrato revelou-se para mim, realmente e verdadeiramente, quando me dei conta que a pura forma-cor era capaz de significar o mundo".  A idéia de forma-cor remete diretamente à concepção de unidade plástica de Vasarely. Nessa estrutura irredutível - molécula pictural -, o pintor reencontra o ponto, do pontilhismo de Georges Seurat (1859-1891), e o quadrado de Kazimir Malevich (1878-1935), uma espécie de forma zero. A partir dessa estrutura elementar, o pintor cria uma gramática de possibilidades com o auxílio do preto e branco (com os quais trabalhou em boa parte de sua obra) e da progressiva introdução da cor. A inglesa Bridget Riley (1931) é outro grande expoente da op art. Como os demais artistas ligados ao movimento, ela investiga formas e unidade seriadas para a composição de padrões gerais, que apelam diretamente à visão, pelos seus efeitos de vibração e ofuscamento. Realiza pinturas de grande porte, cenários e a decoração do interior do Hospital Real de Liverpool.

A galeria Denise René, em Paris, reúne um grupo de artistas envolvido com as investigações visuais da op art, parte deles argentinos como Julio Le Parc, Marta Boto e Luis R. Tomasello (1915), além de Yvaral (1934) (filho de Vasarely), do venezuelano Carlos Cruz-Diez (1923) e outros. O Groupe de Recherche d?Art Visuel (GRAV), que funciona entre 1960 e 1968, foi outro pólo aglutinador da produção da op art e da arte cinética. O nome do venezuelano Jesús-Raphael Soto (1923) se destaca no grupo de artistas latino-americanos radicados em Paris. Entre 1950 e 1953, o artista cria as primeiras obras em que elementos dispostos em série no espaço produzem efeitos de movimento virtual e vibração ótica (Estudo para uma série, 1953). Mas é em 1955 que ele se lança mais diretamente em relação às pesquisas cinéticas, fundamentadas nas alterações perceptivas decorrentes, seja da posição do observador diante da obra, seja do uso de elementos suspensos a vibrar diante um fundo.

Ainda que um exame atento dessa ampla produção pudesse ser capaz de revelar diferentes inflexões no interior da op art, não parece difícil entrever um programa comum constituído a partir de estímulos semelhantes: as progressões matemáticas (muitas vezes trabalhadas com o auxílio de computadores); a Gestalt; o cubismo de Georges Braque (1882-1963), Pablo Picasso (1881-1973) e Juan Gris (1887-1927); o neoplasticismo de Piet Mondrian (1872-1944); além do construtivismo da Bauhaus, de Malevich e do impressionismo, sobretudo na vertente explorada por Seurat. Os trabalhos de Vasarely, Riley e outros propagaram-se pelo mundo todo. No Brasil, realizaram experiências óticas em seus trabalhos: Lothar Charoux (1912-1987), Almir Mavignier (1925), Ivan Serpa (1923-1973), Abraham Palatnik (1928), entre outros. Nos anos 50 algumas pinturas de Luiz Sacilotto (1924-2003) antecipam questões que serão desenvolvidas posteriormente pela op art propriamente dita.

ABSTRAÇÃO GEOMÉTRICA

As pesquisas geométricas, associadas ao rigor matemático e à simplificação da forma, orientam parte significativa da arte abstrata do século XX. As primeiras realizações dessa vertente do abstracionismo remontam às vanguardas européias das décadas de 1910 e 1920: o construtivismo russo, a experiência da Bauhaus, o suprematismo de Kazimir Malevich e o neoplasticismo de Piet Mondrian e Theo van Doesburg.

A ideologia libertária que norteia as vanguardas em geral adquire feições particulares na Rússia, com a revolução de 1917. A sociedade projetada no contexto revolucionário mobiliza os artistas em torno de produções concretas para o povo. A pintura e a escultura são pensadas como construções - e não como representações -, próximas da arquitetura em termos de materiais, procedimentos e objetivos. O construtivismo, 1913, aproxima os relevos tridimensionais de Vladimir Evgrafovic Tatlin, a obra de Alexander Rodchenko e os trabalhos dos irmãos Antoine Pevsner e Naum Gabo, signatários do Manifesto Realista de 1920, que sob influência de Malevich defendem uma arte livre de finalidades práticas e comprometida com a pura visualidade plástica. O suprematismo, fundado em 1915 por Malevich, rompe com a ideia de imitação da natureza, as formas ilusionistas, a luz e a cor naturalistas e as referências ao mundo objetivo. Trata-se de investigar a estrutura da imagem com o auxílio de formas geométricas básicas - quadrado, retângulo, círculo, cruz e triângulo - e de pequena gama de cores. Ver, entre outros, Quadrado Preto Suprematista, 1914/1915 e Quadrado Branco sobre Fundo Branco, 1918.

As pesquisas geométricas conhecem outra inflexão da nova plástica na pintura sistematizada pelos holandeses Piet Mondrian e Theo van Doesburg nas páginas da revista De Stijl [O Estilo], 1917. Essa plasticidade rejeita a ideia de arte como representação, abolindo o espaço pictórico tridimensional, recusa também a linha curva, a modelagem e as texturas e dispensa os detalhes e a variedade da natureza, buscando o princípio universal sob a aparência do mundo. Menos que expressar as coisas naturais, a nova arte visa, segundo Mondrian, à expressão pura da relação, como indicam as composições do artista construídas com elementos mínimos: a linha reta, o retângulo e as cores primárias - azul, vermelha e amarela - além da preta, branca e cinza.

A Bauhaus, fundada em 1919 por Walter Adolf Gropius, atrai artistas de distintas procedências: Van Doesburg, Wassily Kandinsky, Paul Klee, László Moholy-Nagy e outros. A despeito das orientações da escola, as abordagens características da Bauhaus - tendências construtivistas seguidas com o máximo de economia e atenção às especificidades dos materiais - permitem flagrar afinidades com o construtivismo russo e com o grupo de artistas holandeses ligados à De Stijl. Na Inglaterra, a abstração geométrica tem lugar na esteira das pesquisas construtivistas levadas a cabo pelo grupo Circle, na década de 1930, em obras como as do pintor Ben Nicholson. O grupo projeta contornos com base no diálogo com a nova plasticidade de Mondrian, as pesquisas de Malevich e o construtivismo russo de N. Gabo, integrante do Circle. Nesse período, a cena francesa conhece o desenvolvimento do abstracionismo geométrico em trabalhos de artistas ligados ao Cercle et Carré [Círculo e quadrado], como Joaquin Torres-García. A ênfase nas pesquisas geométricas se mantém no Abstraction-Création [Abstração-criação], grupo que sucede o Cercle et Carré, em 1931.

O período após a Segunda Guerra Mundial, 1939-1945, é tomado por desdobramentos do abstracionismo, na Europa e nos Estados Unidos, que dialogam criticamente com as vanguardas anteriores. As orientações geométricas convivem com outras, muitas vezes na obra de um só artista, o que dificulta classificações rígidas. É possível, por exemplo, localizar inclinações geométricas em obras de Burnet Newman e Mark Rolho - frequentemente descritas como colou Field painting [pintura de campo de cor] -, embora eles rejeitem o rótulo de abstração geométrica e se afastem das premissas geométricas de Mondrian. Diz Newman: "Só uma arte de não-geometria pode ser um novo começo". Do mesmo modo, o uso de princípios geométricos por Frank Stella ou Kenneth Noland - reunidos pelo termo pintura hard-hedge [canto duro], em virtude dos contornos marcados das telas -, não devem levar a encapsulá-las no rótulo. No minimalismo dos anos 1960 e 1970, por sua vez, é possível aferir uma ênfase geométrica em obras de Donald Judd, Ronald Bladen e Tony Smith, que não vale para o minimalismo como um todo.

No Brasil, o abstracionismo geométrico se evidencia por meio do movimento concreto de São Paulo - Grupo Ruptura, criado em 1952 por Waldemar Cordeiro, Lothar Charola, Geraldo de Barros, entre outros - e do Rio de Janeiro - Grupo Frente, formado em 1954 por alunos de Ivan Serpa, e do qual participam artistas como Lygia Clark, Lygia Pape, Hélio Oiticica, Franz Weissiana. As divergências entre Rio e São Paulo se explicitam na Exposição Nacional de Arte Concreta (São Paulo, 1956 e Rio, 1957), início da ruptura neoconcreto, em 1959, à qual aderem Amílcar de Castro, Lygia Clark, Hélio Oiticica entre outros. Os caminhos da abstração geométrica nem sempre coincidem com grupos organizados, podendo ser acompanhados em obras de distintos artistas, por exemplo, em pinturas de Alfredo Volpi, Milton Da costa e Cássio Michalany, ou em esculturas de Sérgio de Camargo.

CONSTRUTIVISMO


Para o construtivismo, a pintura e a escultura são pensadas como construções - e não como representações -, guardando proximidade com a arquitetura em termos de materiais, procedimentos e objetivos. O termo construtivismo liga-se diretamente ao movimento de vanguarda russa e a um artigo do crítico N. Punin, de 1913, sobre os relevos tridimensionais de Vladimir Evgrafovic Tatlin (1885 - 1953). A consideração das especificidades do construtivismo russo não deve apagar os elos com outros movimentos de caráter construtivo na arte, que ocorrem no primeiro decênio do século XX, por exemplo, o grupo de artistas expressionistas reunidos em torno de Wasilli Kandinsky (1866 - 1914) no Der Blaue Reiter [O Cavaleiro Azul], em 1911, na Alemanha; o De Stijl [O Estilo], criado em 1917, que agrupa Piet Mondrian (1872 - 1944), Theo van Doesburg (1883 - 1931) e outros artistas holandeses ao redor das pesquisas abstratas; e o suprematismo, fundado em 1915 por Kazimir Malevich (1878 - 1935), também na Rússia. Isso sem esquecer os pressupostos construtivos que se fazem presentes, de diferentes modos, no cubismo, no dadaísmo e no futurismo italiano.

A ideologia revolucionária e libertária que impregna as vanguardas em geral, adquire feições concretas na Rússia, diante da revolução de 1917. A nova sociedade projetada no contexto revolucionário mobiliza os artistas em torno de uma arte nova, que se coloca a serviço da revolução e de produções concretas para a vida do povo. Afinal, a produção artística deveria ser funcional e informativa. Realizações dessa proposta podem ser encontradas nos projetos de Aleksandr Aleksandrovic Vesnin (1883 - 1959) para o Palácio do Trabalho e para o jornal Pravda e, sobretudo, no Monumento à Terceira Internacional, de Tatlin, exposto em 1920, mas nunca executado - seria erguido no centro de Moscou. De ferro e vidro, a gigantesca espiral giraria sobre si mesma, concebida para ser também uma antena de transmissão radiofônica, é descrita pelo artista como "união de formas puramente plásticas (pintura, escultura e arquitetura) para um propósito utilitário".

A obra de Alexander Rodchenko (1891 - 1956) é outro exemplo de atualização do programa construtivista e produtivista russo. Das pesquisas iniciais, em estreito diálogo com as pinturas abstratas e geométricas de Malevich, o artista passa às construções tridimensionais por influência de Tatlin, encontrando posteriormente na fotografia um meio privilegiado de expressão e registro pictórico da nova Rússia. Sua perspectiva fotográfica original influência de perto o cinema de Sergei Eisenstein (1898 - 1948).

As discussões sobre a função social da arte provocam fraturas no interior do construtivismo russo. Os irmãos Antoine Pevsner (1886 - 1962) e Naum Gabo (1890 - 1977), signatários do Manifesto Realista de 1920, recusam um programa social e aplicado da arte - lembrando as críticas de Gabo ao monumento de Tatlin - em defesa de uma morfologia geométrica em consonância com a teoria suprematista de Malevich. Suas pesquisas inclinam-se na direção da arte abstrata, do diálogo cerrado entre arte e ciência e do uso de materiais industriais, como o vidro e o plástico. Em 1922, quando o regime soviético começa a manifestar seu desagrado com a pauta construtivista, Pevsner e Gabo deixam a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS. Na década seguinte, a defesa oficial de uma estética "realista" e "socialista" representa o golpe último nas pesquisas de tipo formal dos construtivistas. O exílio dos artistas contribui para a disseminação dos ideais estéticos da vanguarda russa que vão impactar a Bauhaus na Alemanha, o De Stijl, nos Países Baixos, e o grupo Abstraction-Création [Abstração-Criação], na França. Gabo será um dos editores do manifesto construtivista inglês Circle, de 1937.

Não são pequenas as influências do construtivismo na América Latina, em geral, e no Brasil, em particular, no período após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Marcas da vanguarda russa podem ser observadas no movimento concreto de São Paulo, Grupo Ruptura, e no Rio de Janeiro, Grupo Frente. A ruptura neoconcreto estabelecida com o manifesto de 1959 - que reúne Amílcar de Castro (1920-2002), Ferreira Gullar (1930-2016), Franz Weissiana (1911-2005), Lygia Clark (1920-1988), Lygia Pape (1927-2004), Reynaldo Jardim (1926) e Theo Saudis (1915) - não afasta as influências do construtivismo russo, sobretudo na vertente inaugurada por Pevsner.

ARTES APLICADAS


Falar em arte aplicada significa pensar em modalidades da produção artística que se orientam para o mundo cotidiano, pela criação de objetos, de peças e/ou construções úteis ao homem em sua vida diária. A noção remete a alguns setores da arquitetura, das artes decorativas, do design, das artes gráficas, do mobiliário etc. e traz oposição em relação às belas-artes. Na história da arte européia, o surgimento das academias de arte, a partir do século XVI, tem papel decisivo na alteração do status do artista, personificada por Michelangelo Buonarroti (1475 - 1564). Não mais artesãos das guildas e corporações, os artistas são considerados teóricos e intelectuais a merecer formação especializada. É nesse momento que o termo belas-artes entra na ordem do dia como sinônimo de arte acadêmica, separando arte e artesanato, artistas e mestres de ofícios. É possível acompanhar, ao longo do tempo, aproximações e afastamentos entre belas-artes e artes aplicadas. Na arte moderna, quando a industrialização em curso e as novas tecnologias lançam o artesanato numa crise inédita, fazendo do artista um intelectual apartado da produção industrial.

Na segunda metade do século XIX, na Inglaterra, teóricos e artistas reunidos no Arts and Crafts reafirmam a importância do trabalho artesanal diante da mecanização industrial e da produção em massa. Liderado por John Ruskin (1819 - 1900) e William Morris (1834 - 1896), o movimento tem grande inclinação pela reforma social e pelas questões político-econômicas, o que o impele à junção entre arte e vida social. Com Morris, o conceito de belas-artes é rechaçado em nome do ideal das guildas medievais, onde o artesão desenhava e executava a obra num ambiente de produção coletiva. O Arts and Crafts lança-se na recriação das artes manuais em plena era industrial, produzindo tecidos tingidos e estampados à mão, móveis, livros etc. Os padrões de Morris para papéis de parede são bastante conhecidos e ainda hoje comercializados. O Movimento de Artes e Ofícios está nas origens do art nouveau europeu e norte-americano ao nuançar as fronteiras entre arte e artesanato pela valorização dos ofícios e trabalhos manuais, embora as filosofias dos movimentos sejam distintas. Menos que uma atitude de recusa à indústria, a produção art nouveau coloca-se no seu interior, valendo-se dos novos materiais do mundo moderno (o ferro, o vidro e o cimento) e da racionalidade das ciências e da engenharia. Trata-se de integrar arte, lógica industrial e sociedade de massas, desafiando alguns princípios básicos da produção em série, por exemplo, o acabamento mais simplificado e o emprego de materiais industrializáveis. Como indicam a arquitetura, o mobiliário, os objetos e ilustrações realizados sob o signo do art nouveau - cerâmicas e objetos em vidro de Emile Gallé (1846 - 1904), interiores de Louis Comfort Tiffany (1848 - 1933), pinturas, vitrais e painéis de Jan Toorop (1858 - 1928), etc. - o estilo visa revalorizar a beleza, colocando-a ao alcance de todos. A articulação estreita entre arte e indústria, função e forma, utilidade e ornamento, parece ser o objetivo primeiro dos artistas.

A associação entre arte, artesanato e indústria está no coração da experiência da Bauhaus, fundada em 1919. Ao ideal do artista-artesão defendido por Walter Adolf Gropius (1883 - 1969) desde a criação da escola, soma-se a defesa da complementaridade das diferentes artes sob a égide do design e da arquitetura. O espírito que orienta o programa ancora-se na idéia de que o aprendizado, e o objetivo, da arte liga-se ao fazer artístico, o que evoca uma herança medieval de reintegração das artes e ofícios. A proposta de Gropius para a Bauhaus relaciona-se à formação de novas gerações de artistas de acordo com um ideal de sociedade democrática, onde não há hierarquias, mas somente funções complementares. Com a mudança da escola para dessua em 1925, a relação entre arte e indústria se fortalece e consolidam-se as marcas características do "estilo Bauhaus" expressas na série de objetos confeccionados - mobiliário, tapeçaria, luminárias etc. - como as cadeiras e mesas em aço tubular criadas por Marcel Breuer (1902 - 1981) e Ludwig Mies van der Rohe (1886 - 1969), produzidas em larga escala pela Standard Mabel de Berlim e pela Tonet. As afinidades da Bauhaus com as vanguardas em geral e com o construtivismo russo em particular revelam-se pela ligação entre projeto estético e político, que vem acompanhada da idéia de que a arte deve ser funcional. A pintura e a escultura, segundo os princípios construtivos, são pensadas como construções, guardando proximidade com a arquitetura em termos de materiais, procedimentos e objetivos. Realizações do programa social e aplicado do construtivismo russo podem ser encontradas nos projetos de Aleksandr Aleksandrovich Benin (1883 - 1959) para o Palácio do Trabalho e para o jornal Prada e, sobretudo, no Monumento à Terceira Internacional de Vladimir Tatlin (1885 - 1956), exposto em 1920, que seria erguido no centro de Moscou, mas nunca executado.

Na década de 1920, as artes aplicadas encontram abrigo no estilo art decô. Recoloca-se o nexo entre arte e indústria tendo a decoração como elemento mediador na esteira das propostas art nouveau. O "estilo anos 20" dialoga de perto com o art nouveau, retomando a mesma tradição da arte aplicada inglesa. Só que as soluções, nesse caso, indicam a preferência pelas linhas retas e estilizadas, formas geométricas e design abstrato, em consonância com as vanguardas do começo do século XX. O estilo art decô apresenta-se de início como luxuoso, empregando materiais caros como jade, laca e marfim. Entre outros, os vestidos "abstratos" de Sonia Delaunay-Terk (1885 - 1979), os vasos de René Lalique (1860 - 1945), as padronagens de Erté (1892 - 1990). A partir de 1934, o estilo dialoga mais diretamente com a produção industrial, com os materiais e formas passíveis de reprodução em massa. Se as fortes afinidades entre arte e indústria e entre arte e artesanato remetem às experiências imediatamente anteriores da Bauhaus, a ênfase primeira na individualidade e no artesanato refinado colocam o art deco nas antípodas do ideal estético e político do programa da escola de Gropius, que se orienta no sentido da formação de novas gerações de artistas de acordo com um ideal de sociedade civilizada e democrática.

No Brasil, as artes aplicadas têm lugar no interior do modernismo de 1922 com os trabalhos - pinturas, tapeçarias e objetos - de John Graz (1891 - 1980) e dos irmãos Regina Graz (1897 - 1973) e Antonio Gomide (1895 - 1967). No interior do grupo concreto paulista, na década de 1950, o nome de Geraldo de Barros (1923 - 1998) se destaca pela sua proximidade com o desenho industrial e com a criação visual, sobretudo a partir de 1954, quando funda a cooperativa Unilabor e a Hobjeto móveis, dedicadas à produção de móveis. A Form-inform, também criada por ele, destina-se à criação de marcas e logotipos.

Monólogo dramático