Falar em arte aplicada significa pensar em modalidades da produção artística que se orientam para o mundo cotidiano, pela criação de objetos, de peças e/ou construções úteis ao homem em sua vida diária. A noção remete a alguns setores da arquitetura, das artes decorativas, do design, das artes gráficas, do mobiliário etc. e traz oposição em relação às belas-artes. Na história da arte européia, o surgimento das academias de arte, a partir do século XVI, tem papel decisivo na alteração do status do artista, personificada por Michelangelo Buonarroti (1475 - 1564). Não mais artesãos das guildas e corporações, os artistas são considerados teóricos e intelectuais a merecer formação especializada. É nesse momento que o termo belas-artes entra na ordem do dia como sinônimo de arte acadêmica, separando arte e artesanato, artistas e mestres de ofícios. É possível acompanhar, ao longo do tempo, aproximações e afastamentos entre belas-artes e artes aplicadas. Na arte moderna, quando a industrialização em curso e as novas tecnologias lançam o artesanato numa crise inédita, fazendo do artista um intelectual apartado da produção industrial.
Na segunda metade do século XIX, na Inglaterra, teóricos e artistas reunidos no Arts and Crafts reafirmam a importância do trabalho artesanal diante da mecanização industrial e da produção em massa. Liderado por John Ruskin (1819 - 1900) e William Morris (1834 - 1896), o movimento tem grande inclinação pela reforma social e pelas questões político-econômicas, o que o impele à junção entre arte e vida social. Com Morris, o conceito de belas-artes é rechaçado em nome do ideal das guildas medievais, onde o artesão desenhava e executava a obra num ambiente de produção coletiva. O Arts and Crafts lança-se na recriação das artes manuais em plena era industrial, produzindo tecidos tingidos e estampados à mão, móveis, livros etc. Os padrões de Morris para papéis de parede são bastante conhecidos e ainda hoje comercializados. O Movimento de Artes e Ofícios está nas origens do art nouveau europeu e norte-americano ao nuançar as fronteiras entre arte e artesanato pela valorização dos ofícios e trabalhos manuais, embora as filosofias dos movimentos sejam distintas. Menos que uma atitude de recusa à indústria, a produção art nouveau coloca-se no seu interior, valendo-se dos novos materiais do mundo moderno (o ferro, o vidro e o cimento) e da racionalidade das ciências e da engenharia. Trata-se de integrar arte, lógica industrial e sociedade de massas, desafiando alguns princípios básicos da produção em série, por exemplo, o acabamento mais simplificado e o emprego de materiais industrializáveis. Como indicam a arquitetura, o mobiliário, os objetos e ilustrações realizados sob o signo do art nouveau - cerâmicas e objetos em vidro de Emile Gallé (1846 - 1904), interiores de Louis Comfort Tiffany (1848 - 1933), pinturas, vitrais e painéis de Jan Toorop (1858 - 1928), etc. - o estilo visa revalorizar a beleza, colocando-a ao alcance de todos. A articulação estreita entre arte e indústria, função e forma, utilidade e ornamento, parece ser o objetivo primeiro dos artistas.
A associação entre arte, artesanato e indústria está no coração da experiência da Bauhaus, fundada em 1919. Ao ideal do artista-artesão defendido por Walter Adolf Gropius (1883 - 1969) desde a criação da escola, soma-se a defesa da complementaridade das diferentes artes sob a égide do design e da arquitetura. O espírito que orienta o programa ancora-se na idéia de que o aprendizado, e o objetivo, da arte liga-se ao fazer artístico, o que evoca uma herança medieval de reintegração das artes e ofícios. A proposta de Gropius para a Bauhaus relaciona-se à formação de novas gerações de artistas de acordo com um ideal de sociedade democrática, onde não há hierarquias, mas somente funções complementares. Com a mudança da escola para dessua em 1925, a relação entre arte e indústria se fortalece e consolidam-se as marcas características do "estilo Bauhaus" expressas na série de objetos confeccionados - mobiliário, tapeçaria, luminárias etc. - como as cadeiras e mesas em aço tubular criadas por Marcel Breuer (1902 - 1981) e Ludwig Mies van der Rohe (1886 - 1969), produzidas em larga escala pela Standard Mabel de Berlim e pela Tonet. As afinidades da Bauhaus com as vanguardas em geral e com o construtivismo russo em particular revelam-se pela ligação entre projeto estético e político, que vem acompanhada da idéia de que a arte deve ser funcional. A pintura e a escultura, segundo os princípios construtivos, são pensadas como construções, guardando proximidade com a arquitetura em termos de materiais, procedimentos e objetivos. Realizações do programa social e aplicado do construtivismo russo podem ser encontradas nos projetos de Aleksandr Aleksandrovich Benin (1883 - 1959) para o Palácio do Trabalho e para o jornal Prada e, sobretudo, no Monumento à Terceira Internacional de Vladimir Tatlin (1885 - 1956), exposto em 1920, que seria erguido no centro de Moscou, mas nunca executado.
Na década de 1920, as artes aplicadas encontram abrigo no estilo art decô. Recoloca-se o nexo entre arte e indústria tendo a decoração como elemento mediador na esteira das propostas art nouveau. O "estilo anos 20" dialoga de perto com o art nouveau, retomando a mesma tradição da arte aplicada inglesa. Só que as soluções, nesse caso, indicam a preferência pelas linhas retas e estilizadas, formas geométricas e design abstrato, em consonância com as vanguardas do começo do século XX. O estilo art decô apresenta-se de início como luxuoso, empregando materiais caros como jade, laca e marfim. Entre outros, os vestidos "abstratos" de Sonia Delaunay-Terk (1885 - 1979), os vasos de René Lalique (1860 - 1945), as padronagens de Erté (1892 - 1990). A partir de 1934, o estilo dialoga mais diretamente com a produção industrial, com os materiais e formas passíveis de reprodução em massa. Se as fortes afinidades entre arte e indústria e entre arte e artesanato remetem às experiências imediatamente anteriores da Bauhaus, a ênfase primeira na individualidade e no artesanato refinado colocam o art deco nas antípodas do ideal estético e político do programa da escola de Gropius, que se orienta no sentido da formação de novas gerações de artistas de acordo com um ideal de sociedade civilizada e democrática.
No Brasil, as artes aplicadas têm lugar no interior do modernismo de 1922 com os trabalhos - pinturas, tapeçarias e objetos - de John Graz (1891 - 1980) e dos irmãos Regina Graz (1897 - 1973) e Antonio Gomide (1895 - 1967). No interior do grupo concreto paulista, na década de 1950, o nome de Geraldo de Barros (1923 - 1998) se destaca pela sua proximidade com o desenho industrial e com a criação visual, sobretudo a partir de 1954, quando funda a cooperativa Unilabor e a Hobjeto móveis, dedicadas à produção de móveis. A Form-inform, também criada por ele, destina-se à criação de marcas e logotipos.
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