terça-feira, 20 de agosto de 2019

ABSTRAÇÃO GEOMÉTRICA

As pesquisas geométricas, associadas ao rigor matemático e à simplificação da forma, orientam parte significativa da arte abstrata do século XX. As primeiras realizações dessa vertente do abstracionismo remontam às vanguardas européias das décadas de 1910 e 1920: o construtivismo russo, a experiência da Bauhaus, o suprematismo de Kazimir Malevich e o neoplasticismo de Piet Mondrian e Theo van Doesburg.

A ideologia libertária que norteia as vanguardas em geral adquire feições particulares na Rússia, com a revolução de 1917. A sociedade projetada no contexto revolucionário mobiliza os artistas em torno de produções concretas para o povo. A pintura e a escultura são pensadas como construções - e não como representações -, próximas da arquitetura em termos de materiais, procedimentos e objetivos. O construtivismo, 1913, aproxima os relevos tridimensionais de Vladimir Evgrafovic Tatlin, a obra de Alexander Rodchenko e os trabalhos dos irmãos Antoine Pevsner e Naum Gabo, signatários do Manifesto Realista de 1920, que sob influência de Malevich defendem uma arte livre de finalidades práticas e comprometida com a pura visualidade plástica. O suprematismo, fundado em 1915 por Malevich, rompe com a ideia de imitação da natureza, as formas ilusionistas, a luz e a cor naturalistas e as referências ao mundo objetivo. Trata-se de investigar a estrutura da imagem com o auxílio de formas geométricas básicas - quadrado, retângulo, círculo, cruz e triângulo - e de pequena gama de cores. Ver, entre outros, Quadrado Preto Suprematista, 1914/1915 e Quadrado Branco sobre Fundo Branco, 1918.

As pesquisas geométricas conhecem outra inflexão da nova plástica na pintura sistematizada pelos holandeses Piet Mondrian e Theo van Doesburg nas páginas da revista De Stijl [O Estilo], 1917. Essa plasticidade rejeita a ideia de arte como representação, abolindo o espaço pictórico tridimensional, recusa também a linha curva, a modelagem e as texturas e dispensa os detalhes e a variedade da natureza, buscando o princípio universal sob a aparência do mundo. Menos que expressar as coisas naturais, a nova arte visa, segundo Mondrian, à expressão pura da relação, como indicam as composições do artista construídas com elementos mínimos: a linha reta, o retângulo e as cores primárias - azul, vermelha e amarela - além da preta, branca e cinza.

A Bauhaus, fundada em 1919 por Walter Adolf Gropius, atrai artistas de distintas procedências: Van Doesburg, Wassily Kandinsky, Paul Klee, László Moholy-Nagy e outros. A despeito das orientações da escola, as abordagens características da Bauhaus - tendências construtivistas seguidas com o máximo de economia e atenção às especificidades dos materiais - permitem flagrar afinidades com o construtivismo russo e com o grupo de artistas holandeses ligados à De Stijl. Na Inglaterra, a abstração geométrica tem lugar na esteira das pesquisas construtivistas levadas a cabo pelo grupo Circle, na década de 1930, em obras como as do pintor Ben Nicholson. O grupo projeta contornos com base no diálogo com a nova plasticidade de Mondrian, as pesquisas de Malevich e o construtivismo russo de N. Gabo, integrante do Circle. Nesse período, a cena francesa conhece o desenvolvimento do abstracionismo geométrico em trabalhos de artistas ligados ao Cercle et Carré [Círculo e quadrado], como Joaquin Torres-García. A ênfase nas pesquisas geométricas se mantém no Abstraction-Création [Abstração-criação], grupo que sucede o Cercle et Carré, em 1931.

O período após a Segunda Guerra Mundial, 1939-1945, é tomado por desdobramentos do abstracionismo, na Europa e nos Estados Unidos, que dialogam criticamente com as vanguardas anteriores. As orientações geométricas convivem com outras, muitas vezes na obra de um só artista, o que dificulta classificações rígidas. É possível, por exemplo, localizar inclinações geométricas em obras de Burnet Newman e Mark Rolho - frequentemente descritas como colou Field painting [pintura de campo de cor] -, embora eles rejeitem o rótulo de abstração geométrica e se afastem das premissas geométricas de Mondrian. Diz Newman: "Só uma arte de não-geometria pode ser um novo começo". Do mesmo modo, o uso de princípios geométricos por Frank Stella ou Kenneth Noland - reunidos pelo termo pintura hard-hedge [canto duro], em virtude dos contornos marcados das telas -, não devem levar a encapsulá-las no rótulo. No minimalismo dos anos 1960 e 1970, por sua vez, é possível aferir uma ênfase geométrica em obras de Donald Judd, Ronald Bladen e Tony Smith, que não vale para o minimalismo como um todo.

No Brasil, o abstracionismo geométrico se evidencia por meio do movimento concreto de São Paulo - Grupo Ruptura, criado em 1952 por Waldemar Cordeiro, Lothar Charola, Geraldo de Barros, entre outros - e do Rio de Janeiro - Grupo Frente, formado em 1954 por alunos de Ivan Serpa, e do qual participam artistas como Lygia Clark, Lygia Pape, Hélio Oiticica, Franz Weissiana. As divergências entre Rio e São Paulo se explicitam na Exposição Nacional de Arte Concreta (São Paulo, 1956 e Rio, 1957), início da ruptura neoconcreto, em 1959, à qual aderem Amílcar de Castro, Lygia Clark, Hélio Oiticica entre outros. Os caminhos da abstração geométrica nem sempre coincidem com grupos organizados, podendo ser acompanhados em obras de distintos artistas, por exemplo, em pinturas de Alfredo Volpi, Milton Da costa e Cássio Michalany, ou em esculturas de Sérgio de Camargo.

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