terça-feira, 20 de agosto de 2019

OP ART


O termo foi incorporado à história e à crítica de arte após a exposição The responsive eye O olhar compreensivo, MoMA/Nova York, 1965), para se referir a um movimento artístico que conhece seu auge entre 1965 e 1968. Os artistas envolvidos com essa vertente realizam pesquisas que privilegiam efeitos óticos, em função de um método ancorado na interação entre ilusão e superfície plana, entre visão e compreensão. Dialogando diretamente com o mundo da indústria e da mídia (publicidade, moda, design, cinema e televisão), os trabalhos da op art enfatizam a percepção a partir do movimento do olho sobre a superfície da tela. Nas composições - em geral, abstratas - linhas e formas seriadas se organizam em termos de padrões dinâmicos, que parecem vibrar, tremer e pulsar. O olhar, convocado a transitar entre a figura e o fundo, a passear pelos efeitos de sombra e luz produzidos pelos jogos entre o preto e o branco ou pelos contrastes tonais, é fisgado pelas artimanhas visuais e ilusionismos.

O húngaro Victor de Vasarely (1908) é um dos maiores nomes da op art. A partir de 1930, em Paris, o artista começa a explorar efeitos óticos pela utilização de dominós, tabuleiros de xadrez, dados, réguas, zebras e arlequins. Mas é a partir de 1947 que envereda pela abstração geométrica. "Não foi senão em 1947", diz ele, "que o abstrato revelou-se para mim, realmente e verdadeiramente, quando me dei conta que a pura forma-cor era capaz de significar o mundo".  A idéia de forma-cor remete diretamente à concepção de unidade plástica de Vasarely. Nessa estrutura irredutível - molécula pictural -, o pintor reencontra o ponto, do pontilhismo de Georges Seurat (1859-1891), e o quadrado de Kazimir Malevich (1878-1935), uma espécie de forma zero. A partir dessa estrutura elementar, o pintor cria uma gramática de possibilidades com o auxílio do preto e branco (com os quais trabalhou em boa parte de sua obra) e da progressiva introdução da cor. A inglesa Bridget Riley (1931) é outro grande expoente da op art. Como os demais artistas ligados ao movimento, ela investiga formas e unidade seriadas para a composição de padrões gerais, que apelam diretamente à visão, pelos seus efeitos de vibração e ofuscamento. Realiza pinturas de grande porte, cenários e a decoração do interior do Hospital Real de Liverpool.

A galeria Denise René, em Paris, reúne um grupo de artistas envolvido com as investigações visuais da op art, parte deles argentinos como Julio Le Parc, Marta Boto e Luis R. Tomasello (1915), além de Yvaral (1934) (filho de Vasarely), do venezuelano Carlos Cruz-Diez (1923) e outros. O Groupe de Recherche d?Art Visuel (GRAV), que funciona entre 1960 e 1968, foi outro pólo aglutinador da produção da op art e da arte cinética. O nome do venezuelano Jesús-Raphael Soto (1923) se destaca no grupo de artistas latino-americanos radicados em Paris. Entre 1950 e 1953, o artista cria as primeiras obras em que elementos dispostos em série no espaço produzem efeitos de movimento virtual e vibração ótica (Estudo para uma série, 1953). Mas é em 1955 que ele se lança mais diretamente em relação às pesquisas cinéticas, fundamentadas nas alterações perceptivas decorrentes, seja da posição do observador diante da obra, seja do uso de elementos suspensos a vibrar diante um fundo.

Ainda que um exame atento dessa ampla produção pudesse ser capaz de revelar diferentes inflexões no interior da op art, não parece difícil entrever um programa comum constituído a partir de estímulos semelhantes: as progressões matemáticas (muitas vezes trabalhadas com o auxílio de computadores); a Gestalt; o cubismo de Georges Braque (1882-1963), Pablo Picasso (1881-1973) e Juan Gris (1887-1927); o neoplasticismo de Piet Mondrian (1872-1944); além do construtivismo da Bauhaus, de Malevich e do impressionismo, sobretudo na vertente explorada por Seurat. Os trabalhos de Vasarely, Riley e outros propagaram-se pelo mundo todo. No Brasil, realizaram experiências óticas em seus trabalhos: Lothar Charoux (1912-1987), Almir Mavignier (1925), Ivan Serpa (1923-1973), Abraham Palatnik (1928), entre outros. Nos anos 50 algumas pinturas de Luiz Sacilotto (1924-2003) antecipam questões que serão desenvolvidas posteriormente pela op art propriamente dita.

ABSTRAÇÃO GEOMÉTRICA

As pesquisas geométricas, associadas ao rigor matemático e à simplificação da forma, orientam parte significativa da arte abstrata do século XX. As primeiras realizações dessa vertente do abstracionismo remontam às vanguardas européias das décadas de 1910 e 1920: o construtivismo russo, a experiência da Bauhaus, o suprematismo de Kazimir Malevich e o neoplasticismo de Piet Mondrian e Theo van Doesburg.

A ideologia libertária que norteia as vanguardas em geral adquire feições particulares na Rússia, com a revolução de 1917. A sociedade projetada no contexto revolucionário mobiliza os artistas em torno de produções concretas para o povo. A pintura e a escultura são pensadas como construções - e não como representações -, próximas da arquitetura em termos de materiais, procedimentos e objetivos. O construtivismo, 1913, aproxima os relevos tridimensionais de Vladimir Evgrafovic Tatlin, a obra de Alexander Rodchenko e os trabalhos dos irmãos Antoine Pevsner e Naum Gabo, signatários do Manifesto Realista de 1920, que sob influência de Malevich defendem uma arte livre de finalidades práticas e comprometida com a pura visualidade plástica. O suprematismo, fundado em 1915 por Malevich, rompe com a ideia de imitação da natureza, as formas ilusionistas, a luz e a cor naturalistas e as referências ao mundo objetivo. Trata-se de investigar a estrutura da imagem com o auxílio de formas geométricas básicas - quadrado, retângulo, círculo, cruz e triângulo - e de pequena gama de cores. Ver, entre outros, Quadrado Preto Suprematista, 1914/1915 e Quadrado Branco sobre Fundo Branco, 1918.

As pesquisas geométricas conhecem outra inflexão da nova plástica na pintura sistematizada pelos holandeses Piet Mondrian e Theo van Doesburg nas páginas da revista De Stijl [O Estilo], 1917. Essa plasticidade rejeita a ideia de arte como representação, abolindo o espaço pictórico tridimensional, recusa também a linha curva, a modelagem e as texturas e dispensa os detalhes e a variedade da natureza, buscando o princípio universal sob a aparência do mundo. Menos que expressar as coisas naturais, a nova arte visa, segundo Mondrian, à expressão pura da relação, como indicam as composições do artista construídas com elementos mínimos: a linha reta, o retângulo e as cores primárias - azul, vermelha e amarela - além da preta, branca e cinza.

A Bauhaus, fundada em 1919 por Walter Adolf Gropius, atrai artistas de distintas procedências: Van Doesburg, Wassily Kandinsky, Paul Klee, László Moholy-Nagy e outros. A despeito das orientações da escola, as abordagens características da Bauhaus - tendências construtivistas seguidas com o máximo de economia e atenção às especificidades dos materiais - permitem flagrar afinidades com o construtivismo russo e com o grupo de artistas holandeses ligados à De Stijl. Na Inglaterra, a abstração geométrica tem lugar na esteira das pesquisas construtivistas levadas a cabo pelo grupo Circle, na década de 1930, em obras como as do pintor Ben Nicholson. O grupo projeta contornos com base no diálogo com a nova plasticidade de Mondrian, as pesquisas de Malevich e o construtivismo russo de N. Gabo, integrante do Circle. Nesse período, a cena francesa conhece o desenvolvimento do abstracionismo geométrico em trabalhos de artistas ligados ao Cercle et Carré [Círculo e quadrado], como Joaquin Torres-García. A ênfase nas pesquisas geométricas se mantém no Abstraction-Création [Abstração-criação], grupo que sucede o Cercle et Carré, em 1931.

O período após a Segunda Guerra Mundial, 1939-1945, é tomado por desdobramentos do abstracionismo, na Europa e nos Estados Unidos, que dialogam criticamente com as vanguardas anteriores. As orientações geométricas convivem com outras, muitas vezes na obra de um só artista, o que dificulta classificações rígidas. É possível, por exemplo, localizar inclinações geométricas em obras de Burnet Newman e Mark Rolho - frequentemente descritas como colou Field painting [pintura de campo de cor] -, embora eles rejeitem o rótulo de abstração geométrica e se afastem das premissas geométricas de Mondrian. Diz Newman: "Só uma arte de não-geometria pode ser um novo começo". Do mesmo modo, o uso de princípios geométricos por Frank Stella ou Kenneth Noland - reunidos pelo termo pintura hard-hedge [canto duro], em virtude dos contornos marcados das telas -, não devem levar a encapsulá-las no rótulo. No minimalismo dos anos 1960 e 1970, por sua vez, é possível aferir uma ênfase geométrica em obras de Donald Judd, Ronald Bladen e Tony Smith, que não vale para o minimalismo como um todo.

No Brasil, o abstracionismo geométrico se evidencia por meio do movimento concreto de São Paulo - Grupo Ruptura, criado em 1952 por Waldemar Cordeiro, Lothar Charola, Geraldo de Barros, entre outros - e do Rio de Janeiro - Grupo Frente, formado em 1954 por alunos de Ivan Serpa, e do qual participam artistas como Lygia Clark, Lygia Pape, Hélio Oiticica, Franz Weissiana. As divergências entre Rio e São Paulo se explicitam na Exposição Nacional de Arte Concreta (São Paulo, 1956 e Rio, 1957), início da ruptura neoconcreto, em 1959, à qual aderem Amílcar de Castro, Lygia Clark, Hélio Oiticica entre outros. Os caminhos da abstração geométrica nem sempre coincidem com grupos organizados, podendo ser acompanhados em obras de distintos artistas, por exemplo, em pinturas de Alfredo Volpi, Milton Da costa e Cássio Michalany, ou em esculturas de Sérgio de Camargo.

CONSTRUTIVISMO


Para o construtivismo, a pintura e a escultura são pensadas como construções - e não como representações -, guardando proximidade com a arquitetura em termos de materiais, procedimentos e objetivos. O termo construtivismo liga-se diretamente ao movimento de vanguarda russa e a um artigo do crítico N. Punin, de 1913, sobre os relevos tridimensionais de Vladimir Evgrafovic Tatlin (1885 - 1953). A consideração das especificidades do construtivismo russo não deve apagar os elos com outros movimentos de caráter construtivo na arte, que ocorrem no primeiro decênio do século XX, por exemplo, o grupo de artistas expressionistas reunidos em torno de Wasilli Kandinsky (1866 - 1914) no Der Blaue Reiter [O Cavaleiro Azul], em 1911, na Alemanha; o De Stijl [O Estilo], criado em 1917, que agrupa Piet Mondrian (1872 - 1944), Theo van Doesburg (1883 - 1931) e outros artistas holandeses ao redor das pesquisas abstratas; e o suprematismo, fundado em 1915 por Kazimir Malevich (1878 - 1935), também na Rússia. Isso sem esquecer os pressupostos construtivos que se fazem presentes, de diferentes modos, no cubismo, no dadaísmo e no futurismo italiano.

A ideologia revolucionária e libertária que impregna as vanguardas em geral, adquire feições concretas na Rússia, diante da revolução de 1917. A nova sociedade projetada no contexto revolucionário mobiliza os artistas em torno de uma arte nova, que se coloca a serviço da revolução e de produções concretas para a vida do povo. Afinal, a produção artística deveria ser funcional e informativa. Realizações dessa proposta podem ser encontradas nos projetos de Aleksandr Aleksandrovic Vesnin (1883 - 1959) para o Palácio do Trabalho e para o jornal Pravda e, sobretudo, no Monumento à Terceira Internacional, de Tatlin, exposto em 1920, mas nunca executado - seria erguido no centro de Moscou. De ferro e vidro, a gigantesca espiral giraria sobre si mesma, concebida para ser também uma antena de transmissão radiofônica, é descrita pelo artista como "união de formas puramente plásticas (pintura, escultura e arquitetura) para um propósito utilitário".

A obra de Alexander Rodchenko (1891 - 1956) é outro exemplo de atualização do programa construtivista e produtivista russo. Das pesquisas iniciais, em estreito diálogo com as pinturas abstratas e geométricas de Malevich, o artista passa às construções tridimensionais por influência de Tatlin, encontrando posteriormente na fotografia um meio privilegiado de expressão e registro pictórico da nova Rússia. Sua perspectiva fotográfica original influência de perto o cinema de Sergei Eisenstein (1898 - 1948).

As discussões sobre a função social da arte provocam fraturas no interior do construtivismo russo. Os irmãos Antoine Pevsner (1886 - 1962) e Naum Gabo (1890 - 1977), signatários do Manifesto Realista de 1920, recusam um programa social e aplicado da arte - lembrando as críticas de Gabo ao monumento de Tatlin - em defesa de uma morfologia geométrica em consonância com a teoria suprematista de Malevich. Suas pesquisas inclinam-se na direção da arte abstrata, do diálogo cerrado entre arte e ciência e do uso de materiais industriais, como o vidro e o plástico. Em 1922, quando o regime soviético começa a manifestar seu desagrado com a pauta construtivista, Pevsner e Gabo deixam a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS. Na década seguinte, a defesa oficial de uma estética "realista" e "socialista" representa o golpe último nas pesquisas de tipo formal dos construtivistas. O exílio dos artistas contribui para a disseminação dos ideais estéticos da vanguarda russa que vão impactar a Bauhaus na Alemanha, o De Stijl, nos Países Baixos, e o grupo Abstraction-Création [Abstração-Criação], na França. Gabo será um dos editores do manifesto construtivista inglês Circle, de 1937.

Não são pequenas as influências do construtivismo na América Latina, em geral, e no Brasil, em particular, no período após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Marcas da vanguarda russa podem ser observadas no movimento concreto de São Paulo, Grupo Ruptura, e no Rio de Janeiro, Grupo Frente. A ruptura neoconcreto estabelecida com o manifesto de 1959 - que reúne Amílcar de Castro (1920-2002), Ferreira Gullar (1930-2016), Franz Weissiana (1911-2005), Lygia Clark (1920-1988), Lygia Pape (1927-2004), Reynaldo Jardim (1926) e Theo Saudis (1915) - não afasta as influências do construtivismo russo, sobretudo na vertente inaugurada por Pevsner.

ARTES APLICADAS


Falar em arte aplicada significa pensar em modalidades da produção artística que se orientam para o mundo cotidiano, pela criação de objetos, de peças e/ou construções úteis ao homem em sua vida diária. A noção remete a alguns setores da arquitetura, das artes decorativas, do design, das artes gráficas, do mobiliário etc. e traz oposição em relação às belas-artes. Na história da arte européia, o surgimento das academias de arte, a partir do século XVI, tem papel decisivo na alteração do status do artista, personificada por Michelangelo Buonarroti (1475 - 1564). Não mais artesãos das guildas e corporações, os artistas são considerados teóricos e intelectuais a merecer formação especializada. É nesse momento que o termo belas-artes entra na ordem do dia como sinônimo de arte acadêmica, separando arte e artesanato, artistas e mestres de ofícios. É possível acompanhar, ao longo do tempo, aproximações e afastamentos entre belas-artes e artes aplicadas. Na arte moderna, quando a industrialização em curso e as novas tecnologias lançam o artesanato numa crise inédita, fazendo do artista um intelectual apartado da produção industrial.

Na segunda metade do século XIX, na Inglaterra, teóricos e artistas reunidos no Arts and Crafts reafirmam a importância do trabalho artesanal diante da mecanização industrial e da produção em massa. Liderado por John Ruskin (1819 - 1900) e William Morris (1834 - 1896), o movimento tem grande inclinação pela reforma social e pelas questões político-econômicas, o que o impele à junção entre arte e vida social. Com Morris, o conceito de belas-artes é rechaçado em nome do ideal das guildas medievais, onde o artesão desenhava e executava a obra num ambiente de produção coletiva. O Arts and Crafts lança-se na recriação das artes manuais em plena era industrial, produzindo tecidos tingidos e estampados à mão, móveis, livros etc. Os padrões de Morris para papéis de parede são bastante conhecidos e ainda hoje comercializados. O Movimento de Artes e Ofícios está nas origens do art nouveau europeu e norte-americano ao nuançar as fronteiras entre arte e artesanato pela valorização dos ofícios e trabalhos manuais, embora as filosofias dos movimentos sejam distintas. Menos que uma atitude de recusa à indústria, a produção art nouveau coloca-se no seu interior, valendo-se dos novos materiais do mundo moderno (o ferro, o vidro e o cimento) e da racionalidade das ciências e da engenharia. Trata-se de integrar arte, lógica industrial e sociedade de massas, desafiando alguns princípios básicos da produção em série, por exemplo, o acabamento mais simplificado e o emprego de materiais industrializáveis. Como indicam a arquitetura, o mobiliário, os objetos e ilustrações realizados sob o signo do art nouveau - cerâmicas e objetos em vidro de Emile Gallé (1846 - 1904), interiores de Louis Comfort Tiffany (1848 - 1933), pinturas, vitrais e painéis de Jan Toorop (1858 - 1928), etc. - o estilo visa revalorizar a beleza, colocando-a ao alcance de todos. A articulação estreita entre arte e indústria, função e forma, utilidade e ornamento, parece ser o objetivo primeiro dos artistas.

A associação entre arte, artesanato e indústria está no coração da experiência da Bauhaus, fundada em 1919. Ao ideal do artista-artesão defendido por Walter Adolf Gropius (1883 - 1969) desde a criação da escola, soma-se a defesa da complementaridade das diferentes artes sob a égide do design e da arquitetura. O espírito que orienta o programa ancora-se na idéia de que o aprendizado, e o objetivo, da arte liga-se ao fazer artístico, o que evoca uma herança medieval de reintegração das artes e ofícios. A proposta de Gropius para a Bauhaus relaciona-se à formação de novas gerações de artistas de acordo com um ideal de sociedade democrática, onde não há hierarquias, mas somente funções complementares. Com a mudança da escola para dessua em 1925, a relação entre arte e indústria se fortalece e consolidam-se as marcas características do "estilo Bauhaus" expressas na série de objetos confeccionados - mobiliário, tapeçaria, luminárias etc. - como as cadeiras e mesas em aço tubular criadas por Marcel Breuer (1902 - 1981) e Ludwig Mies van der Rohe (1886 - 1969), produzidas em larga escala pela Standard Mabel de Berlim e pela Tonet. As afinidades da Bauhaus com as vanguardas em geral e com o construtivismo russo em particular revelam-se pela ligação entre projeto estético e político, que vem acompanhada da idéia de que a arte deve ser funcional. A pintura e a escultura, segundo os princípios construtivos, são pensadas como construções, guardando proximidade com a arquitetura em termos de materiais, procedimentos e objetivos. Realizações do programa social e aplicado do construtivismo russo podem ser encontradas nos projetos de Aleksandr Aleksandrovich Benin (1883 - 1959) para o Palácio do Trabalho e para o jornal Prada e, sobretudo, no Monumento à Terceira Internacional de Vladimir Tatlin (1885 - 1956), exposto em 1920, que seria erguido no centro de Moscou, mas nunca executado.

Na década de 1920, as artes aplicadas encontram abrigo no estilo art decô. Recoloca-se o nexo entre arte e indústria tendo a decoração como elemento mediador na esteira das propostas art nouveau. O "estilo anos 20" dialoga de perto com o art nouveau, retomando a mesma tradição da arte aplicada inglesa. Só que as soluções, nesse caso, indicam a preferência pelas linhas retas e estilizadas, formas geométricas e design abstrato, em consonância com as vanguardas do começo do século XX. O estilo art decô apresenta-se de início como luxuoso, empregando materiais caros como jade, laca e marfim. Entre outros, os vestidos "abstratos" de Sonia Delaunay-Terk (1885 - 1979), os vasos de René Lalique (1860 - 1945), as padronagens de Erté (1892 - 1990). A partir de 1934, o estilo dialoga mais diretamente com a produção industrial, com os materiais e formas passíveis de reprodução em massa. Se as fortes afinidades entre arte e indústria e entre arte e artesanato remetem às experiências imediatamente anteriores da Bauhaus, a ênfase primeira na individualidade e no artesanato refinado colocam o art deco nas antípodas do ideal estético e político do programa da escola de Gropius, que se orienta no sentido da formação de novas gerações de artistas de acordo com um ideal de sociedade civilizada e democrática.

No Brasil, as artes aplicadas têm lugar no interior do modernismo de 1922 com os trabalhos - pinturas, tapeçarias e objetos - de John Graz (1891 - 1980) e dos irmãos Regina Graz (1897 - 1973) e Antonio Gomide (1895 - 1967). No interior do grupo concreto paulista, na década de 1950, o nome de Geraldo de Barros (1923 - 1998) se destaca pela sua proximidade com o desenho industrial e com a criação visual, sobretudo a partir de 1954, quando funda a cooperativa Unilabor e a Hobjeto móveis, dedicadas à produção de móveis. A Form-inform, também criada por ele, destina-se à criação de marcas e logotipos.

BAUHAUS


Criemos uma nova guilda de artesãos, sem as distinções de classe que erguem uma barreira de arrogância entre o artista e o artesão", declara o arquiteto germânico Walter Adolf Grous (1883 - 1969), quando inaugura a Bauhaus, em 1919. Criada com a fusão da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar, Alemanha, a nova escola de artes aplicadas e arquitetura traz na origem um traço destacado de seu perfil: a tentativa de articulação entre arte e artesanato. Ao ideal do artista artesão defendido por Grous soma-se a defesa da complementaridade das diferentes artes sob a égide do design e da arquitetura. O termo Bauhaus - maus, "casa", balem, "para construir" - permite flagrar o espírito que conduz o programa da escola: a idéia de que o aprendizado e o objetivo da arte ligam-se ao fazer artístico, o que evoca uma herança medieval de reintegração das artes e ofícios.

A proposta de Grous para a Bauhaus deixa entrever a dimensão estética, social e política de seu projeto. Trata-se de formar novas gerações de artistas de acordo com um ideal de sociedade civilizada e democrática, em que não há hierarquias, mas somente funções complementares. O trabalho conjunto, na escola e na vida, possibilitaria não apenas o desenvolvimento das consciências criadoras e das habilidades manuais como também um contato efetivo com a sociedade urbano-industrial moderna e seus novos meios de produção. A ligação mais efetiva entre arte e indústria coincide com a mudança da escola para dessua, em 1925. No complexo de edifícios projetados por Grous são delineadas as abordagens características da Bauhaus: as pesquisas formais e as tendências construtivistas realizadas com o máximo de economia na utilização do solo e na construção; a atenção às características específicas dos diferentes materiais como madeira, vidro, metal e outros; a idéia de que a forma artística deriva de um método, ou problema, previamente definido o que leva à correspondência entre forma e função; e o recurso das novas tecnologias. Data desse período o desenvolvimento de uma série de objetos - mobiliário, tapeçaria, luminária etc. -, produzidos em larga escala, como as cadeiras e mesas de aço tubular criadas por Marcel Reler (1902 - 1981) e Ludwig Mies van der Roche (1886 - 1969) e produzidas pela Standard Mabel de Berlim e pela Tonet.

A Bauhaus atrai artistas de vanguarda de diversas nacionalidades, nem sempre afinados em termos de filiações teóricas, gerando a convivência de orientações estéticas díspares dentro da escola e redefinições no projeto ao longo de sua história. Do corpo docente fazem parte Johannes Itens (1888 - 1967), Theo van Doesburg (1883 - 1931), Wassily Kandinsky (1866 - 1914), Paul Klee (1879 - 1940), László Moholy-Nagy (1894 - 1946), Breuer, Hannes Meyer (1889 - 1954), Van der Rohe, Oskar Schlemmer (1888 - 1943), Joseph Albers (1888 - 1976) e outros. A diversidade dos colaboradores é responsável pelo contato direto da Bauhaus com diferentes tendências da arte européia: o construtivismo russo, o grupo de artistas holandeses ligados ao De Stijl [O Estilo] e os adeptos do movimento de pintura alemã Neue Sachlichkeit [Nova Objetividade].

O ano de 1928 marca a saída de Gropius da direção e sua substituição pelo arquiteto suíço Hannes Meyer, o que sinaliza uma ênfase mais social em relação ao design, traduzida na criação de um mobiliário de madeira - mais barato, simples e desmontável - e de grande variedade de papéis de parede. Diante das pressões do nazismo sobre Meyer, em 1930 a escola passa a ser dirigida pelo arquiteto Mies van der Rohe. Ela é oficialmente fechada em 1932 e, após uma tentativa frustrada de recomposição em Berlim, encerra suas atividades, por determinação dos nazistas, em 1933. A emigração dos professores da escola é fator decisivo na difusão das idéias da Bauhaus pelo mundo todo. Nos Estados Unidos, para onde se dirige boa parte deles - Gropius, Moholy-Nagy, Breuer, Bayer, Van der Rohe e outros - surge a Nova Bauhaus, em Chicago, 1937/1938 e o Architectes's Collaborative - TAC, escritório de arquitetura criado por Gropius em 1945, quando é professor em Harvard.

Ainda está por ser feito um rastreamento sistemático das influências da Bauhaus no Brasil. Indicações esparsas permitem aferir referências ao programa da escola na década de 1930. Por exemplo, no 1º Salão de Arquitetura Tropical, 1933, no Rio de Janeiro, em cujo catálogo é reproduzido um texto de Gropius, e que tem como desdobramento mais imediato o lançamento da revista Base, editada por Alexandre Altberg (1908), segundo algumas fontes, ex-aluno da Bauhaus. E, nessa mesma década, os debates sobre arquitetura popular, veiculados na revista Arquitetura e Urbanismo, mencionam freqüentemente os projetos coletivos da escola. A literatura faz menção ainda à experiência de remodelação urbana empreendida por Luiz Nunes (1909 - 1937), no Recife, à frente da Diretoria de Arquitetura e Urbanismo, também nos anos 1930, como inspirada na Bauhaus. Os projetos do Instituto de Arte Contemporânea - IAC do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - Masp, 1951, e o da Escola Superior de Desenho Industrial - Esdi, do Rio de Janeiro, 1963, inspiram-se, cada qual a seu modo, no programa educativo da escola de Gropius. No campo das artes plásticas, é possível pensar no impacto das obras de Max Bill (1908 - 1994), na década de 1950, por meio das quais certos princípios da Bauhaus atingem o concretismo brasileiro.

NEOPLASTICISMO


O termo liga-se diretamente às novas formulações plásticas de Piet Mondrian (1872-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) e sua origem remete à revista De Stijl (O Estilo) criada pelos dois artistas holandeses em 1917, em cujo primeiro número Mondrian publica A nova plástica na pintura. O movimento se organiza, segundo Van Doesburg, em torno da necessidade de "clareza, certeza e ordem" e tem como propósito central encontrar uma nova forma de expressão plástica, liberta de sugestões representativas e composta a partir de elementos mínimos: a linha reta, o retângulo e as cores primárias - azul, vermelho e amarelo -, além do preto, branco e cinza. A consideração das especificidades do neoplasticismo holandês não deve apagar os seus vínculos com outros movimentos construtivistas na arte, que têm lugar na Europa no primeiro decênio do século XX, por exemplo, o grupo de artistas reunidos em torno de Wassily Kandinsky (1866-1944), na Alemanha (o Blaue Reiter), 1911; o construtivismo russo de Vladimir Evgrafovic Tatlin (1885-1953), 1913, e o suprematismo fundado em 1915 por Kazimir Malevich (1878-1935), também na Rússia. De qualquer modo, o novo estilo de abstração geométrica se refere a uma tradição holandesa particular e à trajetória artística de Mondrian. Após um período de formação marcado pelas obras de George Hendrik Breitner (1857-1923) e Toro, Mondrian adere às formulações cubistas de Georges Braque (1882-1963) e Pablo Picasso (1881-1973), em 1912, durante temporada em Paris. Nas obras dos anos 1913 e 1914 já se observa em seus trabalhos uma depuração das formas e a redução dos detalhes ao essencial, seja nas fachadas e torres projetadas, ou nas marinhas geométricas. O contato com Bart Antony van der Leick (1876-1958) e com a teosofia leva o artista ao uso mais sistemático dos planos retangulares e das cores puras, assim como à defesa de um ideal de harmonia universal a ser alcançado pela arte. Um artigo escrito em 1915 por Van Doesburg sobre a pintura de Mondrian marca o início de uma estreita colaboração, selada quando da edição da revista De Stijl, à qual aderem o pintor e escultor belga Georges Vantongerloo (1886-1965), arquitetos e projetistas como Jacobus Johannes Pieter Oud (1890-1963) e, Gerrit Thomas Rietveld (1888-1964), além do poeta A. Kok. Até 1924, Mondrian é o principal colaborador do órgão, no interior do qual sistematiza os ideais estéticos da plasticidade pura. Apoiada no princípio básico da redução da expressão plástica à traços essenciais, a nova plasticidade rejeita a idéia de arte como representação, abolindo o espaço pictórico tridimensional. Rejeita ainda a linha curva, a modelagem e as texturas. A cor pura se projeta no plano, encontrando seu oposto na não-cor, no cinza, no branco e no preto. As oposições se desdobram no quadro: linha negra/plano branco, linha espessa/linha fina, planos abertos/planos fechados, planos retangulares/quadrado da tela, cor/não-cor. As composições se estruturam num jogo de relações assimétricas entre linhas horizontais e verticais dispostas sobre um plano único. A forma obtida a partir daí, indica Shapiro em ensaio clássico sobre o artista, é totalidade sempre incompleta, que sugere sua continuidade além dos limites da tela. O neoplasticismo de Mondrian dispensa os detalhes e a variedade da natureza, buscando o princípio universal sob a aparência do mundo. Menos que expressar as coisas naturais, sua arte visa, segundo ele, a "expressão pura da relação".

As idéias estéticas defendidas em De Stijl ressoam na cena européia mais ampla por meio do ensaio escrito por Mondrian para o público francês, O neoplasticismo (1920), e editado em alemão pela Bauhaus, em 1925. A exposição do grupo em Paris, em 1923, é mais um fator a contribuir para a notoriedade da nova perspectiva artística, que reverbera nos anos 30 nos grupos Abstraction-Création e Cercle et Carré, na França, e no Circle, na Inglaterra. Não se pode esquecer a repercussão das teorias do neoplasticismo na arquitetura moderna. O rompimento de Mondrian com Van Doesburg data de 1924, quando assina sua última colaboração para a revista. Este último, em 1926, seria responsável por uma dissidência, que batiza como elementaríssimo. De Stijl deixa de existir oficialmente em 1928.

No Brasil, as lições de Mondrian foram incorporadas pelas composições construtivas e econômicas de Milton Da costa (1915-1988). Ainda que responsável por uma obra amparada em outras referências, Lygia Pape (1927-2004) faz homenagens a Mondrian no Livro da Arquitetura e no desenho Mondrian, 1997.

SUPREMATISMO


Movimento russo de arte abstrata, o suprematismo surge por volta de 1913, mas sua sistematização teórica data de 1925, do manifesto Do Cubismo ao Futurismo ao Suprematismo: o Novo Realismo na Pintura, escrito por Kazimir Malevich (1878-1935) em colaboração com o poeta Vladimir Maiakóvski (1894-1930). O suprematismo está diretamente ligado ao seu criador, Malevich, e às pesquisas formais levadas a cabo pelas vanguardas russas do começo do século XX, o raionismo de Mikhail Larionov e Natalia Goncharova e o construtivismo de Vladimir Evgrafovic Tatlin. Nesse contexto, o suprematismo defende uma arte livre de finalidades práticas e comprometida com a pura visualidade plástica. Trata-se de romper com a idéia de imitação da natureza, com as formas ilusionistas, com a luz e cor naturalistas - experimentadas pelo impressionismo - e com qualquer referência ao mundo objetivo que o cubismo de certa forma ainda alimenta. Malevich ainda fala em "realismo", e o faz com base nas sugestões do místico e matemático russo P.D. Ouspensky, que defende haver por trás do mundo visível um outro mundo, espécie de quarta dimensão, além das três a que os sentidos humanos têm acesso. O suprematismo representaria essa realidade, esse "mundo não objetivo", referido a uma ordem superior de relação entre os fenômenos - espécie de "energia espiritual abstrata" -, que é invisível, mas nem por isso menos real.

Se a arte de Malevich tem pretensão espiritual, ela não se confunde com a defesa do espiritual na arte que faz Wassily Kandinsky (1866-1944), que o define como "expressão da vida interior do artista". Malevich, ao contrário, se detém na pesquisa metódica da estrutura da imagem, que coincide com a busca da "forma absoluta", da molécula pictórica. Como ele mesmo afirma no manifesto de 1915: "Eu me transformei no zero da forma e me puxei para fora do lodaçal sem valor da arte acadêmica. Eu destruí o círculo do horizonte e fugi do círculo dos objetos, do anel do horizonte que aprisionou o artista e as formas da natureza. O quadrado não é uma forma subconsciente. É a criação da razão intuitiva. O rosto da nova arte. O quadrado é o infante real, vivo. É o primeiro passo da criação pura em arte".

As obras suprematistas, vistas pela primeira vez na exposição coletiva A Última Exposição de Quadros Futuristas 0.10 (Zero. Dez), realizada em dezembro de 1915, em São Petesburgo, na Rússia, evidenciam a nova proposta pictórica: formas geométricas básicas - quadrado, retângulo, círculo, cruz e triângulo - associadas a uma pequena gama de cores. A austeridade das formas puras e a simplicidade quase hierática da geometria suprematista se apresentam integralmente em obras, hoje célebres, como Quadrado Preto Suprematista, 1914/1915, Suprematismo: Realismo Pictórico de um Jogador de Futebol, 1915, Quadrado Vermelho: Realismo Pictórico de uma Camponesa em Duas Dimensões, 1915, Quadrado Branco Sobre Fundo Branco, 1918. Desde 1910, a produção de Malevich encontra-se afinada com as vanguardas européias - com o cubismo das obras iniciais de Pablo Picasso (1881-1973), com as pinturas de Paul Cézanne (1839-1906), Fernand Léger (1881-1955), André Derain e também com o futurismo -, combinadas em sua obra com fontes folclóricas e populares russas, e com a experimentação artística russa que tem em Maiakóvski sua liderança maior. Da fase inicial pós-impressionista, sua pintura se dirige às formas tubulares de Léger, à fragmentação cubista e ao trato futurista da imagem, como O Amolador de Facas, 1912. Com o movimento suprematista, Malevich adere à abstração e ao compromisso com a pesquisa metódica da forma pura, evidenciada em séries como Branco sobre Branco. Após 1918, quando anuncia o fim do suprematismo por considerar o esgotamento do projeto, volta-se preferencialmente ao ensino, à escrita e à construção de modelos tridimensionais que têm grande influência sobre o construtivismo.

Mesmo que o rótulo suprematismo se confunda com o nome de seu mentor, sua influência sobre outros artistas russos é notável - por exemplo, a pintora Olga Vladimirovna Rozanova -, assim como sua penetração na Europa, marcando as artes visuais de modo geral a pintura, a arquitetura, o mobiliário, o design, a tipografia etc. No Brasil, parte da obra de Malevich está presente na 22ª Bienal Internacional de São Paulo, de 1994.

GOODING, Mel. Arte abstrata. Tradução Otacílio Nunes, Valter Pontes. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. 96 p., 69 il. Color. (Movimentos da arte moderna).

Monólogo dramático