Texto adaptado do artigo Arte Moderna publicado no site:
ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú
Cultural, 2019. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo355/arte-moderna>. Acesso
em: 09 de Jul. 2019.
O período comumente apresentado por estudiosos da história
da arte como o início da arte moderna é o século XIX na França.
Nessa época, a experiência urbana ligada à multidão, ao
anonimato, ao contingente e ao transitório é enfatizada pelo poeta e crítico
francês Charles Baudelaire (1821-1867) como o núcleo da vida e da arte
modernas.
O moderno não se define pelo tempo presente - nem toda a arte
do período moderno é moderna, mas por uma nova atitude e consciência da
modernidade, declara Baudelaire, em 1863, ao comentar a pintura de Constantin
Guys (1802-1892). A modernização de Paris - traduzida nas reformas urbanas
implementadas por Haussmann, entre 1853 e 1870 - relaciona-se diretamente à
sociedade burguesa que se define ao longo das revoluções de 1830 e 1848.
A ascensão da burguesia traz consigo a indústria moderna, o
mercado mundial e o livre comércio, impulsionados pela Revolução Industrial. A
industrialização em curso e as novas tecnologias colocam em crise o artesanato,
fazendo do artista um intelectual apartado da produção. "Com a
industrialização, esse sistema entra em crise", afirma o historiador
italiano Giulio Carlo Argan, "e a arte moderna é a própria história dessa
crise".
O trajeto da arte moderna no século XIX acompanha a curva
definida pelo romantismo, realismo e impressionismo. Os românticos assumem uma
atitude crítica em relação às convenções artísticas e aos temas oficiais
impostos pelas academias de arte, produzindo pinturas históricas sobre temas da
vida moderna.
A Liberdade Guiando o Povo (1831), de Eugène Delacroix
(1798-1863), trata da história contemporânea em termos modernos. O tom realista
é obtido pela caracterização individualizada das figuras do povo. O emprego
livre de cores vivas, as pinceladas expressivas e o novo emprego da luz, por
sua vez, recusam as normas da arte acadêmica. O realismo de Gustave Courbet
(1819-1877) exemplifica, um pouco mais tarde, outra direção tomada pela
representação do povo e do cotidiano. As três telas do pintor expostas no Salão
de 1850, Enterro em Ornans, Os Camponeses em Flagey e Os Quebradores de Pedras,
marcam o compromisso de Courbet com o programa realista, pensado como forma de
superação das tradições clássica e romântica, assim como dos temas históricos,
mitológicos e religiosos.
O rompimento com os temas clássicos vem acompanhado na arte
moderna pela superação das tentativas de representar ilusionisticamente um
espaço tridimensional sobre um suporte plano. A consciência da tela plana, de
seus limites e rendimentos inaugura o espaço moderno na pintura, verificado
inicialmente com a obra de Éduard Manet (1832-1883). Segundo o crítico
norte-americano Clement Greenberg, "as telas de Manet tornaram-se as
primeiras pinturas modernistas em virtude da franqueza com a qual elas
declaravam as superfícies planas sob as quais eram pintadas". As pinturas
de Manet, na década de 1860, lidam com vários temas relacionados à visão
baudelairiana de modernidade e aos tipos da Paris moderna: boêmios, ciganos,
burgueses empobrecidos etc. Além disso, obras como Dejeuner sur L´Herbe (1863)
desconcertam não apenas pelo tema (uma mulher nua, num bosque, conversa com
dois homens vestidos), mas também pela composição formal: as cores planas sem
claro-escuro nem relevos; a luz que não tem a função de destacar ou modelar as
figuras; a indistinção entre os corpos e o espaço num só contexto. As pesquisas
de Manet são referências para o impressionismo de Claude Monet (1840-1926),
Pierre Auguste Renoir (1841-1919), Edgar Degas (1834-1917), Camille Pissarro
(1831-1903), Paul Cézanne (1839-1906), entre muitos outros.
A preferência pelo registro da experiência contemporânea, a
observação da natureza com base em impressões pessoais e sensações visuais
imediatas, a suspensão dos contornos e dos claro-escuros em prol de pinceladas
fragmentadas e justapostas, o aproveitamento máximo da luminosidade e uso de
cores complementares favorecidos pela pintura ao ar livre constituem os
elementos centrais de uma pauta impressionista mais ampla explorada em
distintas dicções. Um diálogo crítico com o impressionismo estabelece-se, na
França, com o fauvismo de André Derain (1880-1954) e Henri Matisse (1869-1954);
e, na Alemanha, com o expressionismo de Ernst Ludwig Kirchner (1880-1938), Emil
Nolde (1867-1956) e Ernst Barlach (1870-1938).
O termo arte moderna engloba as vanguardas européias do
início do século XX - cubismo, construtivismo, surrealismo, dadaísmo,
suprematismo, neoplasticismo, futurismo etc. - do mesmo modo que acompanha o
deslocamento do eixo da produção artística de Paris para Nova York, após a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com o expressionismo abstrato de Arshile
Gorky (1904-1948) e Jackson Pollock (1912-1956). Na Europa da década de 1950,
as reverberações dessa produção norte-americana se fazem notar nas diversas
experiências do tachismo. As produções artísticas das décadas de 1960 e 1970,
segundo grande parcela da crítica, obrigam a fixação de novos parâmetros
analíticos, distantes do vocabulário e pauta modernistas, o que talvez indique
um limite entre o moderno e o contemporâneo. No Brasil, a arte moderna -
modernista - tem como marco simbólico a produção realizada sob a égide da
Semana de Arte Moderna de 1922. Já existe na crítica de arte brasileira uma
considerável produção que discute a pertinência da Semana de Arte Moderna de
1922 como divisor de águas.