Texto adaptado do
artigo sobre Arts and Crafts publicado no site: enciclopedia.itaucultural.org.br/termo4986/arts-and-crafts
Arts and Crafts é
um movimento estético e social inglês, da segunda metade do século XIX, que
defende o artesanato criativo como alternativa à mecanização e à produção em
massa. Reunindo teóricos e artistas, o movimento busca revalorizar o trabalho
manual e recupera a dimensão estética dos objetos produzidos industrialmente
para uso cotidiano. A expressão "artes e ofícios" - incorporado
em inglês ao vocabulário crítico- deriva da Sociedade para Exposições de Artes
e Ofícios, fundada em 1888. As ideias do crítico de arte John Ruskin (1819 -
1900) e do medievalista Augustus W. Northmore Pugin (1812-1852) são
fundamentais para a consolidação da base teórica do movimento. Na vasta
produção escrita de Ruskin, observa-se uma tentativa de combinar esteticismo e
reforma social, relacionando arte à vida diária do povo. As ideias nostálgicas
de Pugin sobre as glórias do passado medieval diante da mediocridade das
criações modernas têm impacto sobre Ruskin, que,
como ele, realiza um elogio aos padrões artesanais e à organização do trabalho
das guildas medievais. Mas o passo fundamental na transposição desse ideário ao plano prático é
dado por William Morris (1834-1896), o principal líder do movimento. Pintor,
escritor e socialista militante, Morris tenta combinar as teses de Ruskin às de
Marx, na defesa de uma arte "feita pelo povo e para o povo"; a idéia
é que o operário se torne artista e possa conferir valor estético ao trabalho
desqualificado da indústria. Com Morris, o conceito de belas-artes é rechaçado
em nome do ideal das guildas medievais, onde o artesão desenha e executa a
obra, num ambiente de produção coletiva.
Diversas sociedades e associações são
criadas com base na intervenção direta de Morris. Em 1861, é fundada a Morris,
Marshall, Faulkner & Co., especializada em mobiliário e decoração em geral:
forrações, vidros, pratarias, tapeçarias etc. O sucesso da empresa pode ser
aferido por sua ampla e duradoura produção. Dissolvida em 1874, deixa sua
marca, seja nos padrões de Morris para papéis de parede (Pimpernel, 1876) e
naqueles idealizados por A.H. Mackmurdo (1851-1942) - The Cromer Bird, 1884;
seja nos trabalhos gráficos de Walter Crane (1845-1915), pioneiro da editoração
popular (vale lembrar que Crane e Burne-Jones ilustram diversos livros para a
Kelmscott Press, editora fundada em 1890 por Morris, que valoriza as antigas
formas e técnicas de impressão). Em 1871, a Guilda de S. Jorge, planejada por
Morris, representa mais uma tentativa de conjugar ensino de arte e nova forma
de organização do trabalho. Tal experiência frutifica em outras, como na Guilda
de Trabalhadores de Arte (1884) e na Guilda de Artesanato (1888). Ainda
em 1888, a Arts and Crafts Exhibition Society - exposição quadrienal de
móveis, tapeçaria, estofados e mobiliário, realizada em Londres - reúne
trabalhos de vários adeptos do movimento. Além de Morris e Crane, se fazem
presentes na mostra o arquiteto e designer Charles Robert Ashbee (1863-1942),
responsável por diversas residências da época, pela criação de jóias e por
trabalhos editoriais realizados na Essex House Press, inspirada na
Kelmscott Press; o também arquiteto e designer Charles F. Annesley Voysey
(1857-1941), célebre por suas casas simples e modestas, por seus têxteis e
papéis de parede; o arquiteto e estudioso de técnicas medievais de construção
William Richard Lethaby (1857-1931), entre outros.
A partir de 1890, o Movimento de Artes e
Ofícios liga-se ao estilo internacional do art nouveau espalhando-se por toda a
Europa: Alemanha, Países Baixos, Áustria e Escandinávia. Ainda que um sucessor
do movimento inglês, o art nouveau possui filosofia um pouco distinta. Menos
que uma atitude de recusa à indústria, a produção art nouveau coloca-se no seu
interior, valendo-se dos novos materiais do mundo moderno (ferro, vidro e
cimento), assim como da racionalidade das ciências e da engenharia. Trata-se de
integrar arte, lógica industrial e sociedade de massas, desafiando alguns
princípios básicos da produção em série, por exemplo, o emprego de materiais
baratos e o design inferior. Como indicam a
arquitetura, o mobiliário, os objetos e ilustrações realizados sob o signo do
art nouveau - as cerâmicas e os objetos de vidro de Émile
Gallé (1846-1904), os interiores de Louis Comfort Tiffany (1848-1933), as
pinturas, vitrais e painéis de Jan Toorop (1858-1928) e outros -, o estilo
visa revalorizar a beleza, colocando-a ao alcance de todos. A articulação
estreita entre arte e indústria, função e forma, utilidade e
ornamento parece ser o objetivo primeiro dos artistas.
A associação entre arte, artesanato e
indústria está no coração da experiência alemã da Bauhaus, fundada em 1919, que tem no
movimento do Arts and Crafts um ancestral direto. Ao ideal do artista-artesão,
defendido por Walter Gropius (1883-1969) desde a criação da escola, soma-se na
experiência da Bauhaus a defesa da complementariedade das diferentes artes sob
a égide do design e da arquitetura. O espírito que orienta o programa da escola
ancora-se na idéia de que o aprendizado, e o objetivo, da arte liga-se ao fazer
artístico, o que evoca uma herança medieval de reintegração das artes e
ofícios. Nos anos 1920, as artes aplicadas encontram abrigo no estilo
art deco. Aí, recoloca-se o nexo entre
arte e indústria tendo a decoração como elemento mediador, na esteira das
propostas art nouveau. Só que, no caso do art deco, as soluções indicam a
preferência pelas linhas retas e estilizadas, pelas formas geométricas e pelo
design abstrato, em consonância com as vanguardas do começo do século XX. As
Oficinas de Artes e Ofícios, fundadas em Viena, em 1903 (Wiener Werkstätte) por
membros da Secessão, por sua vez, visam fundir utilidade e qualidade estética
de acordo com as propostas de Morris. Esperam também, como ele, atingir um
público mais amplo, o que efetivamente não ocorre. Os objetos de decoração
de interiores (mosaicos, sobretudo), além de jóias, trabalhados de perto
com o ideário art nouveau, produzidos nas oficinas (fechadas em 1932) se
mantêm restrita aos círculos de elite. As oficinas, às quais aderem artistas
como Gustav Klimt (1862-1918), Josef Hoffman (1870-1956) e Oscar Kokoschka (1886-1980),
são responsáveis pela substituição das linhas curvas e retorcidas do art
nouveau pelas formas geométricas e retilíneas, que se tornam a marca distintiva
da arquitetura e das artes decorativas vienenses, a partir de então. Na
arquitetura norte-americana, o nome de Frank Lloyd Wright (1867-1959) deve ser
lembrado pelo seu débito explícito em relação ao movimento Arts and Crafts
e às ideias de Morris. Nas concepções e construções de Wright observa-se o
mesmo gosto pela natureza (sua preferência pelos subúrbios e pelo modelo das
casas de fazenda), pela simplicidade e pelo artesanal, que ele combina
livremente a materiais e técnicas industriais em projetos como as séries de
Prairie Houses, dos primeiros anos do século XX.
A despeito do impacto estético do
trabalho de Morris, seu projeto não logra a tão almejada popularização dos
produtos. De qualquer modo, o legado do movimento Arts & Crafts pode ser
aferido até hoje, em todo o mundo, pela propagação de estúdios de
cerâmica, tecelagem, joalheria e outros e pela organização de diversas escolas
de artes e ofícios. No Brasil, especificamente, o Liceu de Artes e Ofícios,
criado em diversas cidades (Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo), encontram na
experiência do Arts & Crafts e na valorização do trabalho artesanal no
interior da indústria de feição capitalista um modelo a ser seguido. As artes
decorativas e aplicadas têm lugar assegurado no seio do modernismo de 1922
com os trabalhos - pinturas, tapeçarias e objetos - de John Graz (1891-1980) e dos irmãos Regina Graz (1897-1973) e Antonio Gomide (1895-1967). Anos mais
tarde, a proximidade entre arte e indústria é reeditada no interior do grupo
concreto paulista, na década de 1950. Aí se destaca o nome de Geraldo de Barros (1923-1998) por suas
afinidades com a fotografia, com desenho industrial e com a criação visual,
sobretudo a partir de 1954, quando funda a cooperativa Unilabor e a Hobjeto,
dedicadas à produção de móveis. A Form-inform, também fundada por ele,
destina-se à criação de marcas e logotipos. Esses poucos exemplos, ainda que
muito distintos em suas concepções e realizações, podem ser vistos como
tentativas de atualização do ideário do Arts & Crafts e de sua filosofia da
inseparabilidade entre artes visuais e artes aplicadas.
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