Texto adaptado do artigo: Romantismo na literatura.
Disponível em: ROMANTISMO . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura
Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo12163/romantismo>. Acesso
em: 27 de Jul. 2019.
Contexto histórico
O desenvolvimento do Romantismo no Brasil pode ser melhor
compreendido em conjunto com o processo de emancipação política do país, que
culminou com a Independência, em 1822. As ideias que dariam forma ao movimento
ganham impulso a partir de 1808, quando a família real portuguesa se instala no
Rio de Janeiro, declara a cidade a nova sede da monarquia e promove melhorias
que transformam o Rio em importante centro urbano. A fundação de institutos de
ensino, bibliotecas, casas tipográficas e, principalmente, de órgãos de
imprensa contribuiu para agilizar a circulação de informações e a fermentação
de ideias no país.
Embora tenha traços próprios, como a valorização da figura
literária do índio, o Romantismo no Brasil é uma derivação do Romantismo
europeu, que começa a tomar forma nos primeiros anos do século XIX com a
publicação da obra dos poetas ingleses Wordsworth e Coleridge. O alemão Goethe,
os franceses Alexandre Dumas e Victor Hugo e o russo Pushkin são alguns dos
nomes mais importantes do movimento.
Em linhas gerais, o Romantismo pode ser visto como uma
rejeição aos preceitos de ordem, calma, harmonia, equilíbrio, idealização e
racionalidade que eram próprios do Classicismo e do Neoclassicismo. Entre as
atitudes características estão: apreciação da natureza; exaltação da emoção em
detrimento da razão; exame meticuloso da personalidade humana; preocupação com
o gênio, o herói, e o foco em seus conflitos interiores; nova visão do artista
como criador individual supremo; ênfase na imaginação como ponto de partida
para experiências transcendentes; interesse pelas origens históricas e
culturais da nação; predileção pelo exótico, estranho, oculto, monstruoso,
doentio e até satânico.
No início do século XIX, o país assistiu a um fato decisivo
para sua independência política e social: a chegada da corte de D. João VI.
Assim que desembarcou no Rio de Janeiro, a família real adotou medidas para
possibilitar a administração à distância. Entre elas, destacam-se a abertura
dos portos, a fundação do Banco do Brasil, a criação dos tribunais de Finanças
e de Justiça, a permissão para o livre funcionamento de indústrias, a
implantação da imprensa. Ocorreram ainda as fundações da Academia Militar e da
Biblioteca Real, com 60 mil volumes, que está na origem da Biblioteca Nacional.
Paralelamente a isso, o florescimento do cultivo de café deslocava o eixo
econômico de Minas Gerais para São Paulo, onde se concentravam as plantações. O
Rio de Janeiro, porto de escoamento do produto, torna-se também capital
literária e cultural do país.
A ascensão da burguesia, a emergência das profissões
liberais e o desenvolvimento da instrução pública possibilitam a ampliação dos
grupos letrados, que aos poucos quebram o monopólio de poder, até então
concentrado nas mãos da aristocracia rural. Com a ampliação da classe média, o
lazer torna-se parte importante do cotidiano da burguesia, a instrução feminina
passa a ser valorizada, a educação melhora, fundam-se bibliotecas e a imprensa
se torna mais atuante nos principais centros urbanos.
A curiosidade sobre o país, que então definia suas
fronteiras geográficas, também aumenta. O interesse pelos estudos sobre
economia, população, fauna, flora e costumes do país culmina na fundação do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838. As ciências naturais e os
estudos históricos também se desenvolvem.
As tipografias e casas impressoras proliferam, e o livro
começa a ser publicado com maior regularidade, circulando com mais facilidade
pelo país. A qualificação do público e a ampliação do leitorado dão mais
popularidade aos escritores que, pela primeira vez, conhecem o sucesso em vida.
Imbuídos de missão civilizatória, eles atuam na imprensa, na política, na
literatura e assumem a dimensão de figura pública engajada no debate das
questões candentes do país. Política e letras caminham de mãos dadas. O período
regencial e as revoltas que o marcaram, a prosperidade do Segundo Império, a
Guerra do Paraguai e a campanha abolicionista são temas discutidos
publicamente, com grande repercussão sobre a produção literária.
O Romantismo na literatura européia começa a ganhar corpo
por volta da década de 1790, com a publicação das Lyrical Ballads, dos poetas
ingleses William Wordsworth e Samuel Taylor Coleridge. Escrito em 1800, o
prefácio de Wordsworth à segunda edição de Lyrical Ballads, em que descrevia a
poesia como o fluxo espontâneo de sentimentos poderosos, transformou-se no
manifesto do Romantismo inglês no campo da poesia. William Blake era o terceiro
poeta importante da fase inicial do movimento na Inglaterra. A primeira fase do
Romantismo na Alemanha foi marcada por inovações tanto de conteúdo quanto de
estilo e por uma preocupação com o místico, o subconsciente e o sobrenatural.
Uma série de autores talentosos, como Friedrich Hölderlin, o jovem Johann
Wolfgang von Goethe, Friedrich Schlegel e Friedrich Schelling pertence a esse
período inicial. Na França revolucionária, Chateaubriand e Madame de Stäel
foram os iniciadores do Romantismo, principalmente em razão de seus escritos
históricos e teóricos.
Compreendida pelo período de 1805 a 1830, a fase seguinte do
Romantismo europeu foi marcada pela aceleração do nacionalismo cultural e uma
nova atenção às origens nacionais, como atestam o interesse repentino pelo
folclore nativo (dança, música e poesia) e a revalorização de trabalhos
esquecidos do período medieval e da Renascença. Essa apreciação pela história
foi transformada em ficção por Walter Scott, considerado o inventor do romance
histórico. Na mesma época, a poesia romântica inglesa atingia seu ápice com o
trabalho de John Keats, Percy Bysshe Shelley e Lord Byron, este último
especialmente relevante para a compreensão da produção poética da segunda
geração do Romantismo brasileiro, pela sua influência sobre escritores como
Fagundes Varela (1841 - 1875) e Álvares de Azevedo (1831 - 1852).
A partir da década de 1820, o Romantismo havia se
desenvolvido a ponto de abarcar as literaturas de quase toda a Europa. Nessa
fase, o movimento fica menos universal e ganha expressão principalmente pelo
exame da herança histórica e cultural de cada país e pela exploração das
paixões e conflitos de indivíduos excepcionais. Um breve panorama de autores
influentes do período na Europa teria de conter os nomes de Thomas De Quincey,
William Hazlitt e as irmãs Brontë, na Inglaterra; Victor Hugo, Alfred de Vigny,
Alphonse de Lamartine, Alfred de Musset, Stendhal, Prosper Mérimée, Alexandre
Dumas pai e Théophile Gautier, na França; Alessandro Manzoni e Giacomo
Leopardi, na Itália; Aleksandr Pushkin e Mikhail Lermontov, na Rússia; José de
Espronceda e Ángel de Saavedra na Espanha.
O Romantismo brasileiro deve ser compreendido em conjunto
com o processo de emancipação política. A intenção de criar uma literatura
independente e diferente da portuguesa deveria equivaler, no plano cultural, ao
que a proclamação da independência representou no plano político. Assim,
Portugal deixa de ser a principal referência literária, função que passa a ser
exercida por França e Inglaterra. Embora identificado com o período de 1836 a
1880, as origens do movimento romântico brasileiro remontam ao contexto europeu
e aos anos de transição entre os séculos XVIII e XIX, quando panfletos e
sermões ganham destaque como veículos de idéias novas e a atividade
jornalística começa a se adensar. Rica de contatos com a cultura européia do
tempo, essa atividade teve papel crucial para a articulação do que alguns críticos
chamam de "pré-Romantismo" e para a definição das linhas ideológicas
do Primeiro Reinado e da Regência. Frei Caneca (1779-1825), Visconde de Cayru
(1756-1835), Monte Alverne (1774-1823), José Bonifácio (1763-1838), além de
Hipólito da Costa e Evaristo da Veiga, são alguns dos nomes mais influentes
nesse momento de transição.
Convém ainda ressaltar que o Romantismo, com letra
maiúscula, deve ser diferenciado do romantismo, com minúscula. O primeiro termo
designa o movimento literário. O segundo, um comportamento social e afetivo sem
época determinada. E o formato romance, embora tenha se desenvolvido no
período, origina-se na Europa no século XVII. É, pois, anterior ao Romantismo.
Estilo e características gerais
O Romantismo é a atitude ou orientação intelectual que
caracterizou diversos trabalhos de literatura, pintura, música, arquitetura,
crítica e historiografia da civilização ocidental durante o período que vai do
fim do século XVIII até meados do século XIX. O Romantismo pode ser visto como
uma rejeição aos preceitos de ordem, calma, harmonia, equilíbrio, idealização e
racionalidade que eram próprios do Classicismo em geral e do Neoclassicismo do
século XVIII em particular. Até certo ponto, foi também uma reação contra o
Iluminismo e o racionalismo que dele deriva. A ênfase no individual, subjetivo,
irracional, imaginativo, pessoal, espontâneo, emocional, visionário e
transcendental é comum a grande parte das produções artísticas do Romantismo.
Entre as atitudes características do período, é possível
listar as seguintes: o aprofundamento da apreciação da natureza; a exaltação da
emoção em detrimento da razão e dos sentidos em detrimento do intelecto; o
exame meticuloso da personalidade humana e de suas potencialidades mentais; a
preocupação com o gênio, o herói e a figura excepcional de modo geral, e o foco
em seus conflitos interiores; uma nova visão do artista como criador individual
supremo, cujo espírito criativo é mais importante que a adesão a regras formais
e procedimentos tradicionais; a ênfase na imaginação como ponto de partida para
experiências transcendentes e para a verdade espiritual; o interesse obsessivo
pelo folclore e pelas origens históricas e culturais da nação; a predileção
pelo exótico, remoto, misterioso, estranho, oculto, monstruoso, doentio e até
satânico.
Em boa medida, é possível dizer que o Romantismo brasileiro
repete as mesmas características do Romantismo europeu. Ao serem adaptadas à
realidade do país, no entanto, possibilitam o surgimento de traços peculiares.
Segundo o crítico Antonio Candido (1918), essa adaptação pode ser sugerida por
meio do estudo de três processos: transposição, substituição e invenção. A
transposição consiste em passar para o contexto brasileiro as expressões,
concepções, lendas, imagens, situações ficcionais e estilos das literaturas
européias, numa apropriação que se integra e dá ao leitor a impressão de
familiaridade, e ao mesmo tempo faz sentir a presença das raízes culturais. A
substituição, para o crítico, é um processo mais profundo do ponto de vista da
linguagem e da interpenetração cultural. Nele, o escritor brasileiro põe de
lado a terminologia, as entidades, as situações da literatura européia e as
substitui por outras, claramente locais, com a intenção de obter o mesmo
efeito. Por exemplo: substitui-se o cavaleiro pelo índio, o fidalgo pelo
fazendeiro, o torneio pela vaquejada, como no romance O Sertanejo, de José de
Alencar. Pode-se falar em invenção quando o escritor parte do patrimônio
europeu para criar variantes originais, como ocorre num poema de Álvares de
Azevedo, Meu Sonho, no qual ele fecunda o modelo da balada macabra de tipo
alemão (como a Lenora, de Bürger), deformando-o a fim de obter algo diferente.
Os três processos se fazem presentes nas diferentes fases do
Romantismo brasileiro, tradicionalmente subdividido em três gerações. A
primeira seria compreendida entre os anos de 1836, quando se publica o livro
Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves de Magalhães (1811 - 1882), e 1852,
quando morre Álvares de Azevedo. O segundo momento teria início a partir da
publicação da obra poética desse poeta, em 1853. O ponto de transição para a
terceira fase seria o ano de 1870, quando Castro Alves (1847 - 1871) publica
Espumas Flutuantes. Como se vê, a divisão comumente adotada tem a poesia como
parâmetro. No campo da prosa literária e da crônica jornalística, os marcos são
menos nítidos. Para fins didáticos e cronológicos, no entanto, procurou-se
respeitar essa divisão para os verbetes que tratam das três gerações do
Romantismo.
Fontes de pesquisa
AMORA, Antonio Soares. A literatura brasileira: o
romantismo. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1967.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 2.
ed. São Paulo: Cultrix, 1974.