O teatro no Brasil, até então, era proveniente da Europa e
tinha como principal objetivo agradar às elites brasileiras, que transformavam
as apresentações em verdadeiros eventos sociais, principalmente nas grandes
cidades.
Embora alguns escritores já houvessem se arriscado na
dramaturgia brasileira, como Castro Alves e José de Alencar, cujas obras eram
baseadas nas europeias, ainda não havia uma discussão sobre o perfil do teatro
brasileiro. Foi apenas com Martins Pena que o teatro passou a refletir as cenas
e as problemáticas da realidade brasileira.
Martins Pena
Luís Carlos Martins Pena nasceu no Rio de Janeiro, em 1815 e
faleceu em Lisboa, em 1848. Proveniente de uma família abastada, nasceu no Rio
de Janeiro e faleceu na cidade de Londres, na Inglaterra, Martins Pena é
patrono da Academia Brasileira de Letras.
Suas obras estão classificadas no gênero "comédia de
costumes", inaugurado por ele, e se empenham no retrato de situações
cômicas da realidade brasileira compondo uma espécie de sátira social. Além
disso, é responsável por criar tipos característicos e situações peculiares
tanto no ambiente urbano quanto no ambiente rural. O malandro, o estrangeiro e
a mulher (responsável por "segurar as pontas" da família), são talvez
seus personagens mais característicos.
No retrato do ambiente urbano, Pena trabalha na sátira dos
costumes da classe média carioca do século XIX, principalmente, com relação aos
relacionamentos amorosos e a busca pela ascenção social. Pena escreve para as
camadas mais populares, decorrendo daí a sua popularidade. Escreveu, durante
sua curta vida, cerca de 28 peças tendo 19 delas sido encenadas na época.
Suas peças mais famosas são: O juiz de paz na roça (1842),
Casadas solteiras (1845) e Os dois ou o inglês maquinista (1871).
Veja um trecho da peça Os dois ou o inglês maquinista:
CENA VII - Felício e Gainer
FELÍCIO – Estou admirado! Excelente idéia! Bela e admirável
máquina!
GAINER (contente) – Admirável, sim.
FELÍCIO – Deve dar muito interesse.
GAINER – Muita interesse o fabricante. Quando este máquina
tiver acabada, não precisa mais de cozinheiro, de sapateira e de outras muitas
ofícias.
FELÍCIO – Então a máquina supre todos estes ofícios?
GAINER – Oh, sim! Eu bota a máquina aqui no meio da sala,
manda vir um boi, bota a boi na buraco da maquine e depois de meia hora sai por
outra banda da maquine tudo já feita.
FELÍCIO – Mas explique-me bem isto.
GAINER – Olha. A carne do boi sai feita em beef, em
roast-beef, em fricandó e outras muitas; do couro sai sapatas, botas...
FELÍCIO (com muita seriedade) – Envernizadas?
GAINER – Sim, também pode ser. Das chifres sai bocetas,
pentes e cabo de faca; das ossas sai marcas...
FELÍCIO (no mesmo) – Boa ocasião para aproveitar os ossos
para o seu açúcar.
GAINER – Sim, sim, também sai açúcar, balas da Porto e
amêndoas.
FELÍCIO – Que prodígio! Estou maravilhado! Quando pretende
fazer trabalhar a máquina?
GAINER – Conforme; falta ainda alguma dinheira. Eu queria
fazer uma empréstima. Se o senhor quer fazer seu capital render cinqüenta por
cento dá a mim para acabar a maquina, que trabalha depois por nossa conta.
FELÍCIO (à parte) – Assim era eu tolo... (Para Gainer:) Não
sabe quanto sinto não ter dinheiro disponível. Que bela ocasião de triplicar,
quadruplicar, quintuplicar, que digo, centuplicar o meu capital em pouco! Ah!
GAINER (à parte) – Destes tolas eu quero muito.
FELÍCIO – Mas veja como os homens são maus. Chamarem ao
senhor, que é o homem o mais filantrópico e desinteressado e amicíssimo do
Brasil, especulador de dinheiros alheios e outros nomes mais.
GAINER – A mim chama especuladora? A mim? By God! Quem é a
atrevido que me dá esta nome?
FELÍCIO – É preciso, na verdade, muita paciência. Dizerem
que o senhor está rico com espertezas!
GAINER – Eu rica! Que calúnia! Eu rica? Eu está pobre com
minhas projetos pra bem do Brasil.
FELÍCIO (à parte) – O bem do brasileiro é o estribilho
destes malandros... (Para Gainer:) Pois não é isto que dizem. Muitos crêem que
o senhor tem um grosso capital no Banco de Londres; e além disto, chamam-lhe de
velhaco.
GAINER (desesperado) – Velhaca, velhaca! Eu quero mete uma
bala nos miolos deste patifa. Quem é estes que me chama velhaca?
FELÍCIO – Quem? Eu lho digo: ainda não há muito que o
Negreiro assim disse.
GAINER – Negreira disse? Oh, que patifa de meia-cara... Vai
ensina ele... Ele me paga. Goddam!
FELÍCIO – Se lhe dissesse tudo quanto ele tem dito...
GAINER – Não precisa dize; basta chama velhaca a mim pra eu
mata ele. Oh, que patifa de meia-cara! Eu vai dize a commander do brigue Wizart
que este patifa é meia-cara; pra segura nos navios dele. Velhaca! Velhaca!
Goddam! Eu vai mata ele! Oh! (Sai desesperado.)
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