Embora utilizado em geral para designar formas de
representação objetiva da realidade, o realismo como doutrina estética
específica se impõe a partir de 1850 na França, triunfando com Gustave Flaubert
(1821 - 1880) na literatura e Gustave Courbet (1819 - 1877) na pintura. As três
telas de Coubert expostas no Salão de 1850, Enterro em Ornans, Os Camponeses em
Flagey e Os Quebradores de Pedras, marcam seu compromisso com o programa
realista, pensado como forma de superação das tradições clássica e romântica,
assim como dos temas históricos, mitológicos e religiosos. O enfrentamento
direto e imediato da realidade, com o auxílio das técnicas pictóricas, descarta
qualquer tipo de ilusionismo. O pintor é simpatizante das posições anarquistas
de Proudhon e tem participação decisiva durante a Comuna de Paris, e seria
impossível compreender suas decisões estéticas sem considerar suas escolhas
políticas. A pintura, arte concreta por excelência, se aplica aos objetos
reais, às "coisas como elas são".
A cena do funeral na cidade natal do pintor, Ornans, é
criticada por sua feiúra e crueza. As figuras, destituídas de graça, parecem
desencontradas nas grandes dimensões da tela. No primeiro plano, o buraco
aberto no chão e o semblante algo caricato do padre. Já se observam na obra,
nota o historiador norte-americano Meyer Schapiro, a simplicidade e força das
imagens ingênuas que povoam a arte popular, com a qual a obra de Courbet mantém
muitas afinidades. Os temas banais, distantes dos padrões de beleza clássica e
romântica, o trabalho nas aldeias, os ofícios - os Amoladores de Faca, o
Paneleiro, os Joeireiros etc. -, a observação direta da natureza, entre outros,
afastam Courbet das construções eruditas ou da pintura filosófica que impõe
reflexões. Moças à Margem do Sena, 1857, explicita a aderência da forma
artística ao real, representa um fragmento da realidade: duas moças da cidade
fazendo a sesta à margem do rio, apresentadas sem idealização ou dramatização.
Não há nenhuma pretensão do artista em captar os sentimentos das mulheres,
assim como a paisagem não almeja ser representação da natureza. Apenas duas
figuras, num lugar qualquer. Cenas que Courbet vê e registra. Como ele bem diz
a respeito dos seus quebradores de pedras: "Não inventei nada. Todos os
dias, ao fazer minhas caminhadas, via as pessoas miseráveis desse quadro".
O foco de Courbet na realidade tangível das coisas influencia a pintura de
Millet, Daumier e outros pintores de sua época, repercutindo posteriormente nos
cubistas. Como aponta Apollinaire em 1913, em Os Pintores Cubistas:
"Courbet é o pai dos novos pintores". Não é possível esquecer as
relações íntimas da fotografia com a tradição realista na pintura, no século
XIX e no decorrer do século XX, que mereceriam tratamento à parte.
Expressões realistas podem ser percebidas em quase todo
grupo ou movimento artístico com base em Courbet. Convém lembrar que o
construtivista russo Naum Gabo (1890 - 1977) denomina o seu manifesto de
realista, em 1920; que as telas monocromáticas de Yves Klein (1928 - 1962) na
França dos anos 1960 são apresentadas como um novo realismo e a nova
objetividade, de Otto Dix (1891 - 1969) e George Grosz (1893 - 1959), na
Alemanha, defende uma atitude realista por excelência. Nesse sentido,
acompanhar tendências realistas na arte do século XX obriga a realização de um
amplo mapeamento de obras, bastante diferentes umas das outras do ponto de
vista estilístico. Alguns poucos exemplos parecem suficientes para dar uma
visão da disseminação do realismo na arte ocidental e, ao mesmo tempo, de sua
variedade. Na Inglaterra do século XIX, os pré-rafaelitas - John Everett
Millais (1829 - 1896), William Holman Hunt (1827 - 1910) e Dante Gabriel
Rossetti (1828 - 1882) - exercitam uma
dicção realista, que, se não tem as preocupações sociais de Courbet, ambiciona
a precisão e o detalhamento em trabalhos que tocam motivos históricos e
psicológicos, como no célebre Ofélia, 1851/1852, de Millais. Imagens do
trabalho e dos trabalhadores, típicas em Millet, aparecem com a década de 1870,
em obras de Luke Fildes (1844 - 1927) como Candidatos à Admissão numa
Enfermaria Improvisada, 1908, e George Clausen (1852 - 1944) em Trabalho de
Inverno, 1883/1884.
No início do século XX, o grupo de Camden Town associa
técnicas pós-impressionistas a temas realistas, por exemplo em trabalhos de
Walter Richard Sickert (1860 - 1942) realizados em torno de 1907 e em obras de
outros artistas do grupo, como Charles Ginner (1878 - 1952), Harold Gimmer e
Spencer Gore (1878 - 1914). Novas feições realistas tingem as obras de gerações
posteriores como a de Edward John Burra (1905 - 1976) e William Patrick Roberts
(1895 - 1980). Na Europa, o período entreguerras conhece o realismo sui generis
de Kazimir Malevich (1878 - 1935) - que se opunha ao realismo socialista - e
também a obra de Balthus (1908), que tem em Courbet sua referência primeira.
Nos Estados Unidos, a produção de Edward Hopper (1882 - 1967), por exemplo,
Domingo de Manhã bem Cedo, 1930, é emblemática do estilo realista em sua versão
norte-americana. No período pós-1945, é possível chamar a atenção para uma
retomada do realismo com a arte pop britânica e norte-americana, que convive
com outras tendências realistas, como as reveladas nas obras de Lucien Freud
(1922). O chamado hiper-realismo dos anos 1960 retoma as relações de vizinhança
entre tradição realista e fotografia, produzindo, paradoxalmente, efeitos de
irrealidade.
Na produção pictórica brasileira, não se encontram feições
realistas como a de Courbet ou Millet. O realismo, no Brasil, encontra-se
traduzido em paisagistas como Georg Grimm (1846 - 1887), Modesto Brocos (1852 -
1936), Benedito Calixto (1853 - 1927), Castagneto (1851 - 1900), Clóvis
Graciano (1907 - 1988), José Pancetti (1902 - 1958), entre outros. Os tipos e
costumes do interior paulista representados por Almeida Júnior (1850 - 1899)
podem ser pensados também com base em uma orientação realista, assim como a
pintura social de Candido Portinari (1903 - 1962). Podem ser lembradas ainda a
exposição de gravadores, Contribuição ao Realismo, no Museu de Arte Moderna de
São Paulo - MAM/SP, em 1956, organizada por Mário Gruber (1927), da qual
participam o próprio Gruber, além de Vasco Prado (1914 - 1998), Carlos Scliar
(1920 - 2001), Glauco Rodrigues (1929 - 2004), Renina Katz (1926) entre outros.
SCHAPIRO, Meyer. A Arte moderna séculos XIX e XX: ensaios
escolhidos. Tradução Luiz Roberto Mendes Gonçalves; prefácio Willibald
Sauerlander. São Paulo: Edusp, 1996.
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