terça-feira, 6 de agosto de 2019

ROMANTISMO NA MÚSICA


A Revolução Francesa causou profundas transformações, não apenas políticas, mas abalou todas as estruturas do pensamento espraiando sua influência no campo das artes, da cultura e da filosofia, sob a forma de um surto de liberalismo que se traduzia na defesa dos Direitos do Homem, da democracia e da liberdade de expressão. Alterando a mentalidade européia e modificando os seus critérios de valor. Assim a música e a arte de modo geral procuravam se desligar da arte do passado deixando aos poucos os salões dos palácios e pondo-se mais ao alcance da nova classe social em ascensão, a burguesia, e invadindo as salas de concerto, conquistando um novo público ávido de uma nova estética.

O movimento romântico constitui uma reação contra o racionalismo e o classismo, opondo à universalidade dos clássicos o individualismo e o subjetivismo

Enquanto no Classisismo havia uma grande preocupação pelo equilíbrio entre a estrutura formal e a expressividade, no romantismo os compositores buscavam uma maior liberdade da forma e uma expressão mais intensa e vigorosa das emoções, freqüentemente revelando seus sentimentos mais profundos, inclusive seus sofrimentos.

Além da forte expressividade outra característica marcante no período musical romântico é a chamada música programática ou música descritiva. Não que em outros momentos da história da música não houvesse esse tipo de produção, mas no período romântico, essa é uma tendência bastante acentuada. Neste aspecto, muits vezes, o romantismo literário se confunde com o musical. Muitos compositores românticos eram ávidos leitores e tinham grande interesse pelas outras artes, relacionando-se estreitamente com escritores e pintores. Não raro uma composição romântica tinha como fonte de inspiração um quadro visto ou um livro lido pelo compositor. Mas aqui mais uma vez a necessidade de expressar, a música aliás, tem no romantismo a função essencial de expressar, e a alma é o objeto que se deve primordialmente retratar. Muitas das composições pintam quadros, contam histórias; o individualismo romântico incitará freqüentemente o músico a “pintar” suas próprias experiências. Entretanto, apesar do individualismo, da subjetividade e do desejo de expressar emoções, o músico romântico ainda respeita a forma e muitas das regras de composição herdadas do classismo.

O Romantismo surge sobre bases tonais sólidas, o período romântico é o derradeiro momento da música tonal. Entre os traços comuns aos compositores do período podemos ressaltar a maior liberdade de modulação e o cromatismo cada vez mais progressivo que levou os músicos até a fronteira do sistema tonal de Bach. E é esse cromatismo que vai garantir uma maior liberdade e expressividade a essa música “individualista” e “subjetiva”. As formas livres, lieds, prelúdios, rapsódias, o sinfonismo, o virtuosismo instrumental e os movimentos nacionais incorporam elementos alheios à tonalidade estrita do classicismo e esta lentamente se desfaz, até chegar à beira da atonalidade com a música de Wagner (1813-1883).

Outro aspecto de destaque do período romântico está na própria concepção de artista da época. A concepção do homem genial incita a buscar na biografia do artista os sinais de um destino excepcional. Os reveses da vida tendem a satisfazer a sanha do público, pois o artista genial é o eterno sofredor, em volta do mito estão a pobreza, a humilhação, as desventuras amorosas (Beethoven), a incompreensão dos contemporâneos, a doença (Beethoven) ou a loucura (Berlioz e Schumann) contribuem para a admiração sobre o caráter singular do artista. Na verdade os artistas românticos eram eles mesmos bastante atentos à publicidade da sua imagem. Ou como diria Flaubert “O artista deve dar um jeito para fazer a posteridade acreditar que ele não viveu”.

O músico romântico procurou se firmar como um artista autônomo, deixando de se submeter a patronos ricos, como ocorria no período barroco e clássico. Isso evidentemente garantia uma maior liberdade de criação aos músicos.

Durante o Romantismo houve um rico florescimento da canção, principalmente do lied (‘canção’ em alemão) para piano e canto. O primeiro grande compositor de lieder (plural de lied) foi Schubert (1797-1828). Essa forma é também desenvolvida mais tarde por Robert Schumann (1810-1856) e mais posteriormente por Johannes Brahms (1833-1897). Inicialmente os textos são retirados da poesia romântica alemã de Goethe (1749-1832) e Heine (1799-1856). Também são características da época as formas livres como os prelúdios, rapsódias, noturnos, estudos, improvisos etc., presentes na obra de Frederic Chopin (1810-1849) e Franz Liszt. Essas peças são geralmente para piano solo e realçam o virtuosismo instrumental, dividindo a importância do concerto entre a obra e a presença do intérprete.

A ópera

As óperas mais famosas hoje em dia são as românticas. Os grandes compositores de óperas do Romantismo foram os italianos Verdi e Rossini e na Alemanha, Wagner. No Brasil, destaca-se Antônio Carlos Gomes com suas óperas O Guarani, Fosca, O Escravo, etc. A orquestra cresceu não só em tamanho, mas como em abrangência. A seção dos metais ganhou maior importância. Na seção das madeiras adicionou-se o flautim, o clarone, o corne inglês e o contrafagote. Os instrumentos de percussão ficaram mais variados.

O concerto romântico usava grandes orquestras; e os compositores, agora sob o desafio da habilidade técnica dos virtuosos, tornavam a parte do solo cada vez mais difíceis. Compreende obras para grandes orquestras e privilegia o virtuosismo. Destaca-se a obra de Johannes Brahms, com suas quatro sinfonias, dos franceses César Franc (1822-1890) e Hector Berlioz (1803-1869), que revoluciona a concepção da orquestra clássica ao acrescentar mais instrumentos em sua Sinfonia fantástica, op.14, de 1830, reformulando os modos de instrumentação vigentes em sua época.

Outro aspecto de destaque no período romântico é o nacionalismo. A música do final do século XIX, embora imbuída do individualismo, reflete as preocupações coletivas relacionadas aos movimentos de unificação que marcam a Europa. Até a metade do século XIX, toda a música fora dominada pelas influências alemãs. Foi quando compositores de outros países, principalmente os russos, passaram a ter a necessidade de criar a sua música, enaltecendo as suas raízes e a sua pátria. Inspiravam-se em ritmos, danças, canções, lendas e harmonias folclóricas de seus países. É o chamado Nacionalismo Musical. Músicos como Bedrich Smetana (1824-1884) e Antonin Dvorák (1841-1904), Edvard Grieg (1843-1907), Modest Musorgsky (1839-1881) e Pyotr Ilyich Tchaikovsky (1840-1893) empregaram com freqüência temas nacionalistas em suas óperas, enquanto suas obras sinfônicas adquiriam intensidade e identidade própria ao combinar coloridos nacionalistas com os procedimentos estruturais estabelecidos pela corrente principal alemã.

A imagem que temos hoje da chamada música erudita é notadamente romântica. Não é à toa portanto, que nas salas de concerto, o piano seja visto como instrumento de destaque, ao lado do violino, que também ganhou fama como instrumento solo e orquestral. No século XIX o piano passou por diversos melhoramentos. Quase todos os compositores românticos escreveram para este instrumento, os mais importantes foram: Schubert, Mendelssohn, Chopin, Schumann, Liszt e Brahms. Embora em meio às obras destes compositores se encontrem sonatas, a preferência era para peças curtas e de forma mais livre. Havia uma grande variedade, entre elas, as danças como as valsas, as polonaises e as mazurcas, peças breves como o romance, a canção sem palavras, o prelúdio, o noturno, a balada e o improviso. Outro tipo de composição foi o étude (Estudo), cujo objetivo era o aprimoramento técnico do instrumentista (aqui destaca-se mais uma vez os “estudos para piano”).

Com efeito, durante esta época houve um grande avanço nesse sentido, favorecendo a figura do virtuose: músico de concerto, dotado de uma extraordinária técnica. Virtuoses como o violinista Paganini e o pianista Liszt eram admirados por platéias assombradas.

O século XIX apresenta um novo público formado pela classe social burguesa que se interessa pela arte intimista: obras para solista, música de câmara e representações vocais, com acompanhamento instrumental, e a poesia de diferentes países. O canto acompanhado quer com cravo, piano ou guitarra, possui as qualidades específicas nacionais, as que encontramos no lied alemão, na mélodie francesa ou na canção espanhola ou inglesa. Ainda que antigo na forma, e talvez até por isso, é imediata a identificação do público graças aos temas que essas canções “românticas”, evocam, tão próximas aos anseios do homem burguês. Como foi definido por Heinrich Heine, o lied é o “coração que canta, o peito que se agita”. A canção é a expressão musical de um “estado de espírito”, impõe a primazia da paixão e dos sentimentos sobre a razão, junto a idéia de liberdade e exaltação da natureza. Entre os lieder mais famosos estão evidentemente os de Schubert, a exemplo de “Nacht und Träume”, considerado um dos mais belos do autor. Schubert fez cerca de seiscentos e cinqüenta leader, nas formas mais diversas, desde a simples canção estrófica até a cena dramática ou a cantata.

No que se refere à música coral, as mais importantes realizações dos compositores românticos estão na forma do oratório e do réquiem (missa fúnebre). Dentre os mais belos oratórios se incluem o “Elias”, de Mendelssohn (1809-1847), composto nos moldes de Haendel; “L´Enfance du Christ” (A infância de Cristo) de Berlioz (1803-1869); e “The Dream of Gerontius” (O sonho de Gerôncio) de Elgar (1857-1934), que em vez de se basear em algum texto bíblico, constitui o arranjo de um poema religioso.

Certas Missas de Réquiem são importantísssimas e algumas mais apropriadas para serem apresentadas em casas de concerto do que em uma igreja. O réquiem de Berlioz por exemplo, exige uma imensa orquestra com oito pares de tímpanos e quatro grupos extras de metais, posicionadosnos quatro cantos do coro e da orquestra. O Réquiem de Verdi embora de estilo dramático, é sincero em seu sentimento religioso. Em nítido contrastre com estas obras de caráter grandiloqüente está o calmo e sereno réquiem do compositor francês Gabriel Fauré (1845-1924). Não podemos deixar de citar o réquiem de Brahms, considerado por alguns como a mais bela obra coral do romantismo, composto por ocasião da morte de sua mãe. Para essa obra, em vez de musicar o usual texto latino, Brahms (1833-1897) selecionou passagens significativas da Bíblia.

Ainda no que se refere ao canto não se pode falar sobre romantismo sem citar a importância da ópera, é na verdade nessa forma musical ampla e complexa, que une o canto e a interpretação, musica e teatro que está o verdadeiro destaque da musical vocal no período.

Surge uma nova ópera italiana em que às artes do bel canto somam-se um forte elemento histriônico: os cantores também têm que emocionar ou divertir o público com artes de ator. O enredo acaba crescendo em importância. A grande ária ainda é o ingrediente essencial, mas como centro da cena dramática. Essa nova importância do elemento teatral é a contrribuição italiana à ópera romântica. Destacam-se autores como Rossini (1792-1868), Bellini (1801-1835) e Donizette (1797-1848). Outras mudanças significativas: os adornos não podem ficar à decisão do intérprete que tende a abusar deles (o que era comum no barroco); todos devem figurar na partitura porque o brilhantismo das vozes não será desde essa altura o único interesse das representações; a missão da orquestra vai além de simples acompanhamento das vozes, tendo um papel bastante relevante.

A primeira reação à música lírica italiana partiu de Weber (1786-1826) que deu características germânicas à opera inspirando-se na época medieval e na mitologia alemã. A forma vocal oscila entre o canto propriamente dito e o Singspiel, alternando o diálogo falado com árias. Entretanto é inovador por introduzir na ópera a essência musical popular alemã. Seu herdeiro seria Richard Wagner (1813-1883), que em busca de uma “obra de arte integral”, criou o Drama Musical. Este reunia a pintura, a poesia e a arquitetura, além da música. Mas, não contente com o drama isolado Wagner compôs uma tetralogia (conjunto de quatro dramas). As suas experiências no canto tonal deram a obra wagneriana uma tal originalidade que criou para os demais compositores românticos um dilema, ou uniam-se à Wagner ou lutavam contra ele. A estrutura do cromatismo wagneriano e a figura do leit motiv levavam a música para a beira da atonalidade, era na realidade um caminho difícil de ser seguido, um caminho sem volta. A renovação na ópera completou-se com a idéia wagneriana de estrutura continua da ação, de maneira que o conjunto não seja dividido apenas por uma sucessão de árias, interlúdios, coros, duos, etc., que surgem como conseqüência da ação dramática, mas que não devem partir a obra em seções prejudicando a idéia geral de unidade. Wagner é quem leva a termo essa idéia que será acolhida não só pelos compositores de língua alemã, mas também pelo italiano Giuseppe Verdi (1813-1901), um dos maiores autores de óperas do período romântico, que criou as célebres “Nabuco”, “Aida”., “Rigolleto” e tantas outras que saíram da pena do prolixo e popular compositor, que celebizou-se em pouco tempo estendendo a sua influência a românticos de todo o mundo, incluindo Carlos Gomes (1836-1896)

Na França aporta a estrutura da grande ópera que já havia estado presente na tradição espetacular da ópera-ballet de Lully. A mesma variedade musical do lied romântico manifesta-se também na ópera, na complexidade dos arranjos orquestrais e na dificuldade do traçado das linhas melódicas. Destacam-se os óperas de Meyerbeer (1791-1901) e a leveza da opereta cômica de Offenbach (1919-1880) mais próxima do music hall.

BIBLIOGRAFIA

CANDÉ, Roland. História Universal da Música. São Paulo: Martins Fontes, 1994

CARPEAUX, Oto Maria. O Livro de Ouro da História da Música: da Idade Média ao Século XX.

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