sábado, 16 de fevereiro de 2019

Assemblage

O termo assemblage é incorporado às artes em 1953, cunhado pelo pintor e gravador francês Jean Dubuffet (1901-1985) para fazer referência a trabalhos que, segundo ele, "vão além das colagens". O princípio que orienta a feitura de assemblages é a "estética da acumulação": todo e qualquer tipo de material pode ser incorporado à obra de arte. O trabalho artístico visa romper definitivamente  as fronteiras entre arte e vida cotidiana; ruptura já ensaiada pelo dadaísmo, sobretudo pelo ready-made de Marcel Duchamp (1887-1968) e pelas obras Merz (1919), de Kurt Schwitters (1887-1948). A idéia forte que ancora as assemblages diz respeito à concepção de que os objetos díspares reunidos na obra, ainda que produzam um novo conjunto, não perdem o  sentido original. Menos que síntese, trata-se de justaposição de elementos, em que é possível identificar cada peça no interior do conjunto mais amplo. A referência de Dubuffet às colagens não é casual. Nas artes visuais, a prática de articulação de materiais diversos numa só obra leva a esse procedimento técnico específico, que se incorpora à arte do século XX com o cubismo de Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963). Ao abrigar no espaço do quadro elementos retirados da realidade - pedaços de jornal, papéis de todo tipo, tecidos, madeiras, objetos etc. -, a colagem liberta o artista de certas limitações da superfície. A pintura passa a ser concebida como construção sobre um suporte, o que pode dificultar o estabelecimento de fronteiras rígidas entre pintura e escultura. Em 1961, a exposição The art of Assemblage, realizada no Museum of Modern Art - MoMA de Nova York, reúne não apenas obras de Dubuffet, mas também as combine paintings de Robert Rauschenberg (1925-2008) e a junk sculpture, e isso leva a pensar que a assemblage como procedimento passe a ser utilizada nas décadas de 1950 e 1960, na Europa e nos Estados Unidos, por artistas muito diferentes entre si.
Na obra de Dubuffet, a ênfase recai sobre a matéria, desde as Texturologias, produzidas em fins da década de 1950, que se caracterizam, como o título indica, pelas texturas experimentadas com cores e materiais diversos. Na seqüência, o artista caminha na direção das assemblages pela incorporação de materiais não artísticos nas telas: areia, gesso, asas de borboleta, resíduo industrial etc. Na Itália, Alberto Burri (1915-1995), autor de pinturas e colagens, volta-se na década de 1950 para pesquisas semelhantes, explorando as potencialidades expressivas da matéria com resultados distintos. Os trabalhos são fruto do ato de soldar, costurar e colar sacos, madeiras, papéis queimados, paus, latas e plásticos (Saco, 1953, Combustões, 1957, e Ferros, 1958). Suas pesquisas com lixo e sucata prefiguram a arte junk norte-americana e a arte povera italiana. Na Espanha, a "pintura matérica" realizada por Antoni Tápies (1923-2012), no mesmo período, utiliza cimento, argila, pó de mármore, materiais de refugo (restos de papel, barbante e tecidos), partes de móveis velhos etc. Sua crença nas possibilidades abertas pelo uso artístico de materiais cotidianos encontra-se explicitada no ensaio Nada É Louco (1970). Nos Estados Unidos, Rauschenberg denomina combine paintings as assemblages que começa a ensaiar em 1951 pela aplicação de diversos materiais sobre a tela, sobretudo papéis e materiais planos. A partir de 1953, o leque de elementos utilizado se amplia (Bed, 1955, e Canyon, 1959). A abertura da pesquisa com materiais remete às influências do músico John Cage, com quem aprende a assimilar informações díspares do entorno, das cidades e da vida cotidiana. As combine paintings de Rauschenberg propõem múltiplas associações e leituras na medida em que não há temas predeterminados ou sentidos últimos que organizem os conjuntos. Nessa medida, estão muito distantes dos experimentos surrealistas, que usam a justaposição de materiais pela  livre associação como chave de acesso ao inconsciente.
As chamadas junk sculptures - que vêm à luz por meio dos trabalhos pioneiros de David Smith (1906-1965) - fazem uso de refugo industrial, sucatas e materiais descartados de todo tipo, o que já havia sido testado pelas esculturas de Pablo Picasso e Julio González (1876-1942). Os conjuntos evocam o ambiente caótico das cidades, o fluxo desordenado das ruas dos grandes centros, por exemplo, H.A.W.K (1959), de John Chamberlain (1927), construído com carcaças de automóveis, ou os trabalhos de Ettore Colla (1899-1968), que realiza suas obras com componentes de máquinas, sucatas e objetos quebrados, ou ainda as obras de Mark di Suvero (1933), com resíduos industriais (Mohican, 1967). Podem-se lembrar também as "acumulações junk" de Jim Dine (1935), combinando pinturas e ferramentas variadas (Five Feet of Colorful Tools, 1962) e as máquinas de Jean Tinguely (1925-1991), entre elas, Homenagem a Nova York: Obra de Arte que Se Autoconstrói e Se Autodestrói (1960), feita com fragmentos de máquinas, pedaços de bicicleta, piano vertical etc. Na Inglaterra, as esculturas de Anthony Caro (1924), da década de 1960, executadas com vigas, tubulações de alumínio, placas de aço etc., seguem as trilhas abertas pela obra de D. Smith.
Assemblages foram também realizadas no interior do chamado Novo Realismo da década de 1960, que tem como princípio a utilização de imagens triviais do imaginário da sociedade de massas e objetos de uso cotidiano (cartazes publicitários, imagens cinematográficas, fotos de revistas, plásticos, luzes néon etc.), trabalhados com base na idéia de bricolagem. Destacam-se os nomes de Arman (1928), conhecido por suas assemblages de objetos descartados (Arteriosclerose, 1961, e Acumulação de Bules Partidos, 1964) e Domenico Rotella (1918), que trabalha com cartazes publicitários rasgados (O Asfalto na Noite, 1962). No Brasil, é possível localizar procedimentos próximos ao da assemblage em alguns trabalhos de Wesley Duke Lee (1931-2010), Nelson Leirner (1932) e Rubens Gerchman (1942-2008) como O Rei do Mau Gosto (1966) - com tecido, vidro, asas de borboleta e tinta acrílica - Rochelle Costi (1961) - Toalha, Vegetais Mofados e Toalha, Flores Mortas (ambos de 1997) - e Leda Catunda (1961), Jardim das Vacas (1988) e Camisetas (1989).


FONTE DE PESQUISA


ASSEMBLAGE . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo325/assemblage>. Acesso em: 16 de Fev. 2019. Verbete da Enciclopédia. 

Tendências pedagógicas no ensino da Arte no Brasil



No Brasil se destacam duas tendências pedagógicas do ensino da Arte a a idealista liberal: propõe uma educação que garanta uma sociedade igual e democrática; e a realista progressista: surgiu nos anos 60 e propõe que escola pública seja responsável pela a conscientização do povo.

Arte na escola tradicional seguia os modelos educativos americanos, belgas e ingleses, se copiava e transcrevia literal mente as propostas de desenho de Walter Smith, sem qualquer relação com o contexto. Dedicava-se a preparar os alunos para o trabalho fabril, na concepção neoclássica: ênfase na linha, no contorno, no traçado e na configuração. Até o século XX. Entre 1930 e 1970, o currículo de artes no Brasil era: desenho natural, desenho decorativo, desenho geométrico, desenho pedagógico nas escolas normais

 Nos anos 50 foram incorporados o canto orfeônico, nos anos 30, trabalhos manuais diferenciando gêneros, e o teatro para via de apresentações comemorativas.

A metodologia utilizada na escola tradicional enfatizava o ensino dos conteúdos como verdades absolutas

Aspectos metodológicos da escola tradicional aprendizagem e receptiva mecânica, através da memorização e repetição, conteúdos descontextualizados, O educador como centro do processo de ensino, impondo disciplina, silêncio e atenção. E avaliação através da reprodução dos conteúdos expostos.

A Arte na escola nova chegou ao Brasil nos anos 30, tendo sua origem na Europa e nos EUA, defendia que a livre expressão da arte, a auto-expressão espontânea, livre influência de cânones, padrões e modelos de arte. Os principais defensores desse modelo de ensino foram: Dewey, Read e Lowelfeld.

A escola nova enfatiza como aspectos metodológicos os aspectos psicológicos, deixando os sociais; os conteúdos baseavam-se nas experiências vividas, o desenvolvimento do “aprender a aprender”. Pesquisar e solucionar problemas, a aprendizagem voltada para o aluno e baseada na descoberta, o professor como orientador, num ambiente democrático, respeitando os interesses e necessidades dos alunos.

A arte na escola tecnicista, surgiu nos EUA e chegou ao Brasil nos anos 60 e 70, com o objetivo de preparar os alunos para o mercado do trabalho. Sua proposta era baseada no behaviorismo, no uso do reforço, do condicionamento, do estimulo/resposta. A LDB 5692/71, coloca a educação artística nos currículos do ensino fundamental e médio, onde se trabalhava o desenho, musica, trabalhos manuais, cantos corais e artes.

Na década de 80 surgiram movimentos dos professores de arte: AESP (1982) e FAEB (1987).

A escola tecnicista tinha como aspecto metodológico a ligação da educação com o capitalismo, por isso, visava preparar os alunos para o trabalho, enfatizando a neutralidade cientifica, os trabalhos manuais, tecnologia educacional, módulos e auto-instrução - dirigida. O ensino deveria ser eficaz, o educador tinha um papel técnico, neutro e imparcial.

A Arte na escola libertadora apareceu como uma proposta ativa, baseada na interdisciplinaridade e nos temas geradores, tendo conteúdo da arte popular, com conteúdo político. Buscava a conscientização do povo, por uma escola democrática e de qualidade, e para todos. Paulo Freire propôs nesta perspectiva uma alfabetização de adultos.

Os aspectos metodológicos da escola libertadora tinham como prática não–formal e critica, questionando a relação homem/natureza/consciência/transformação. O professor era um animador, tendo uma postura dialógica enfatizando os saberes populares. Trabalhava-se com temas geradores, e aprendizagem era baseada na problematização e tomada de consciência da realidade.

A Arte na Escola libertária, baseava-se na autogestão nas instituições, numa pratica não-diretiva e na autonomia de educadores e educandos. Os conteúdos eram compostos das necessidades e interesses dos grupos, o educador era um conselheiro, monitor, o importante era o crescimento em grupo.

A Arte na Escola crítico-social dos conteúdos, surgiu na década de 70, enfatiza a experiência do educando com os conteúdos, na sua participação social e exercício consciente da cidadania. O educador tem papel importante, a conscientização política ocorre na pratica social ampla do cidadão.

Os aspectos metodológicos da escola crítico-social dos conteúdos buscam uma unidade entre teoria e pratica, para um educando consciente e crítico, os conteúdos são baseados na cultura universal a as realidades sociais, o educador é um mediador da experiência do aluno e o saber, objetivando a saída do conhecimento do senso comum para um saber sistematizado, vinculado a prática social concreta.

Arte na escola construtivista, tem como marco a LDB 9394/96, em que a arte é componente curricular obrigatório, definido nos PCNs de Arte, em quatro linguagens: artes visuais, dança, música e teatro. Podendo ser trabalhados em três eixos: fazer artístico do aluno, a apreciação do aluno e a reflexão sobre a arte como objeto sociocultural e histórico. Juntamente com os temas transversais.

Os aspectos metodológicos da escola construtivista propõem uma aprendizagem feita pela resolução de problemas, tendo o aluno decisões a tomar, colocando o seu conhecimento dos conteúdos envolvidos. A construção, o relativismo e a interação são fatos da aprendizagem. Os conteúdos devem ter utilidade social, partindo-se do conhecimento prévio do aluno, para novas aprendizagens. A escola trabalha em conjunto com órgãos, comunidade e família para uma pratica educativa inclusiva e participativa de ressignificação da escola. O professor observa e avalia o seu aluno em todos os aspectos do processo de aprendizagem, buscando sempre metodologias diferencias quando os alunos apresentam dificuldades.

Os 4 pilares de Jacques Delors, definidos pela UNESCO ,a Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI de 96, (saber saberes, saber fazeres, saber ser e saber ser no convívio com o outro, se fazem presentes na pratica pedagógica e buscam a recuperação dos valores humanos fundamentais.



FONTE PESQUISADA

SCHRAMM, Marilene de Lima Körting. As tendências pedagógicas e o ensino-aprendizagem da arte. In: PILLOTTO, Silvia Sell Duarte; SCHRAMM, Marilene de Lima Körting (Org.). Reflexões sobre o ensino das artes. Joinville: Ed. Univille, 2001. v. 1, p. 20-35.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Nova Objetividade

A produção do grupo em torno do que se convencionou chamar nova objetividade [neue sachlichkeit] deve ser compreendida como um desdobramento da voga expressionista após a Primeira Guerra Mundial, 1914 - 1918, sobretudo do aspecto de crítica social que caracteriza boa parte do expressionismo alemão. Trata-se portanto de uma arte de forte acento realista que recusa as inclinações abstratas defendidas pelo grupo Die Brücke [A Ponte]. O termo é criado em 1923 por Gustav Hartlaub, quando, em carta aos jornais, manifesta a intenção de realizar uma exposição com o título Nova Objetividade, que reunisse obras referidas à "realidade positiva". A exposição ocorre dois anos depois no Kunsthalle de Munique, e dá nome a uma tendência figurativa da arte alemã das décadas de 1920 e 1930. Menos que um estilo definido ou unificado, as obras expostas em 1925 têm em comum o tom de denúncia e sátira social, a crítica mordaz à sociedade burguesa e à guerra. A dicção contestadora e crítica dessa produção leva à perseguição dos artistas pelo Estado nazista e à dissipação do movimento na década de 1930.
O pintor e gravador alemão Otto Dix (1891 - 1969) e o pintor e desenhista, também alemão, George Grosz (1893 - 1959) são considerados os dois grandes nomes dessa linhagem expressionista. A obra de Dix flagra a hipocrisia e frivolidade da sociedade berlinense do pós-guerra, como indica seu tríptico A Grande Cidade, 1927 - 1928),e a representação de personagens socialmente marginalizados, por exemplo prostitutas e trabalhadores. À condenação moral da sociedade burguesa decadente soma-se a desilusão diante dos horrores da guerra, que se torna um dos motivos centrais de sua obra. A série A Guerra, 1924, composta por cinqüenta gravuras, é considerada a mais eloqüente expressão antibelicista já produzida por um artista. No célebre Vendedor de Fósforos, 1920, Dix expõe, quase fotograficamente, o descaso dos passantes diante do sofrimento de um ex-soldado cego e paralítico. A produção dessa fase do artista constitui uma espécie de crônica ácida e indignada do ambiente alemão do período, o que vale a sua prisão em 1939 e a condenação de sua obra como arte degenerada.
Não muito distinto é o andamento da trajetória e obra de George Grosz. Marcado de perto pela experiência da  Primeira Guerra Mundial, da qual participa como membro do exército alemão, Grosz produz caricaturas e ilustrações satíricas que denunciam, não apenas as tragédias da guerra, mas a sociedade e as classes dirigentes alemãs. O tom explicitamente político de seus trabalhos se faz notar, entre outros, em A Face da Classe Dominante, 1921 e Ecce Homo, 1927. A guerra é tematizada satiricamente em desenhos como Apto para o Serviço Ativo, 1918 - onde se vê um médico declarando um esqueleto apto para o serviço militar - e em diversas telas, por exemplo, Funcionário do Estado para as Pensões dos Mutilados de Guerra, 1921, que representa uma cena citadina, em que se cruzam operários, soldados e outros personagens e, em primeiro plano, um grotesco funcionário vesgo e gordo, protótipo da mediocridade burocrática. De sua galeria de personagens urbanos fazem parte ainda prostitutas e especuladores. A denúncia do militarismo e da sociedade alemães vale a Grosz uma série de processos e um auto-exílio nos Estados Unidos, em 1933, momento em que sua obra busca outras direções. Vale observar que tanto Dix como Grosz ligam-se aos grupos dadaístas berlinenses, no início dos anos 1920, colaborando com o teatro político de Erwin Piscator (1893 - 1966), em 1928. O pintor e artista gráfico Max Beckmann (1884 - 1950), que participa da exposição de 1925, tem algumas de suas obras classificadas como ligadas à nova objetividade, pelo acento realista e tom crítico. A maior parte de sua produção distancia-se do tipo de realismo defendido por Dix e Grosz, sobretudo pela presença de alegorias e do simbolismo.
Se o impacto do expressionismo no Brasil pode ser aferido em épocas e obras variadas - por exemplo na produção de Anita Malfatti (1889 - 1964) dos anos 1915 e 1916, assim como nas obras de Oswaldo Goeldi (1895 - 1961), de Flávio de Carvalho (1899 - 1973) e de Iberê Camargo (1914 - 1994) -,  a dimensão de crítica social e política da nova objetividade se evidencia sobretudo nos trabalhos de Lasar Segall (1891 - 1957). Nos anos de sua formação alemã, Segall conviveu de perto com O. Dix e G. Grosz. As afinidades da obra de Segall com o movimento da nova objetividade são enfatizadas por parte dos críticos: o sentimento de descrença diante da sociedade alemã e da guerra transparece em boa parte de suas pinturas e gravuras dos anos 1920. Se isso é verdade, não se nota em seus trabalhos, aponta Rodrigo Naves, o tom de escárnio e ironia presente nos trabalhos dos artistas alemães.

FONTE DE PESQUISA

NOVA Objetividade. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo888/nova-objetividade>. Acesso em: 15 de Fev. 2019. Verbete da Enciclopédia.

Ready-made

O termo é criado por Marcel Duchamp (1887-1968) para designar um tipo de objeto, por ele inventado, que consiste em um ou mais artigos de uso cotidiano, produzidos em massa, selecionados sem critérios estéticos e expostos como obras de arte em espaços especializados (museus e galerias). Seu primeiro ready-made, de 1912, é uma roda de bicicleta montada sobre um banquinho (Roda de Bicicleta). Duchamp chama esses ready-mades compostos de mais de um objeto de ready-mades retificados. Posteriormente, expõe um escorredor de garrafas e, em seguida, um urinol invertido, assinado por R. Mutt, a que dá o título de Fonte, 1917. Outro de seus célebres ready-mades retificados é aquele em que toma uma reprodução da Mona Lisa, de Leonardo da Vinci (1452-1519), e acrescenta à imagem um bigode, um cavanhaque e letras que permitem, quando lidas em francês, a formação de uma frase obscena L.H.O.O.Q.,1 1919. Os ready-mades de Duchamp constituem manifestação cabal de certo espírito que caracteriza o dadaísmo. Ao transformar qualquer objeto em obra de arte, o artista realiza uma crítica radical ao sistema da arte. Assim, objetos utilitários sem nenhum valor estético em si são retirados de seus contextos originais e elevados à condição de obra de arte simplesmente ao ganhar uma assinatura e um espaço em exposições. Os princípios de subversão mobilizados pelos ready-mades podem ser também observados nas máquinas antifuncionais de Francis Picabia (1879-1953) e em algumas imagens fotográficas de Man Ray (1890 - 1976).
Entre as vanguardas do início do século XX, segundo o crítico Giulio Carlo Argan, o dadaísmo apresenta-se como uma "vanguarda negativa" por "demonstrar a impossibilidade de qualquer relação entre arte e sociedade". A contestação de um conceito de arte leva à defesa, pelo grupo, de que a "verdadeira" arte é a antiarte. Com isso, o movimento dadá nega as definições disponíveis de arte e o próprio sistema de validação dos objetos artísticos. Trata-se de produzir, não "obras de arte", mas intervenções, deliberadamente absurdas e inesperadas. As ações perturbadoras do dadaísmo se revelam na recusa às técnicas propriamente "artísticas" e na utilização de materiais e procedimentos da produção industrial, que são despidos de seus usos e objetivos habituais. O ready-made criado por Duchamp sintetiza esse conjunto de princípios e o espírito crítico que alimenta o dadaísmo: um objeto qualquer pode ser alçado à condição de obra de arte. Ao colocar, por exemplo, uma assinatura no mictório, Duchamp afirma que os objetos não possuem um valor em si, mas que o adquirem em função do juízo de um sujeito e da validação conferida a eles pela definição de uma "autoria".
Certo espírito do dadaísmo que o ready-made evidencia é recuperado pelo surrealismo imediatamente posterior, movimento que irá abrigar muitos artistas ligados ao dada. Aí também as escolhas aleatórias presidem a confecção das obras. O objet trouvé (fr. "objeto encontrado") - objeto encontrado ao acaso pelo artista e exposto como obra de arte - segue em linhas gerais o princípio que orienta a confecção do ready-made, ainda que Duchamp faça questão de marcar a diferença entre ambos: enquanto o objet trouvé é escolhido em função de suas qualidades estéticas, de sua beleza e singularidade (implicando então num juízo de gosto), o ready-made elege um objeto entre vários iguais a ele. Nada diferencia ou particulariza a escolha, que é feita de modo totalmente casual. O encontro aleatório de objetos díspares e a defesa de que o trabalho artístico visa romper as fronteiras entre arte e vida cotidiana - afinal, todo e qualquer tipo de material pode ser incorporado à obra de arte - está na raiz das assemblages da década de 1950, tributárias dos ready-mades de Duchamp e das obras Merz, 1919, de Kurt Schwitters (1887 - 1948). O forte impacto do dadaísmo em geral e dos trabalhos de Duchamp em particular pode ser aferido pelas ressonâncias de suas idéias e pela incorporação de suas técnicas de criação, no expressionismo abstrato, na arte conceitual, nas esculturas junk e na arte pop norte-americana, não por acaso também denominada de neodada.
A produção brasileira não fica imune aos influxos trazidos pelo dadaísmo e por Duchamp, o que se verifica em trabalhos de distintas orientações, como nas fotomontagens de Jorge de Lima (1893 - 1953), em certos projetos de Nelson Leirner (1932), em determinados trabalhos de Hélio Oiticica (1937 - 1980), que indiferenciam, cada qual ao seu modo, as fronteiras entre arte e vida. Procedimentos próximos aos da assemblage podem ser observados em obras de Rubens Gerchman (1942 - 2008), Rochelle Costi (1961) e Leda Catunda (1961).


REFERÊNCIAS

ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos. Tradução Denise Bottmann, Frederico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
CHILVERS, Ian (org.). Dicionário Oxford de arte. Tradução Marcelo Brandão Cipolla. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
GOMBRICH, E.H. A história da arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro, Guanabara, 543 pp. Il. p&b. color. 15a edição
MARCONDES, Luiz Fernando. Dicionário de termos artísticos. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1998. 381 p., il. p&b.
READY-MADE . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo5370/ready-made>. Acesso em: 15 de Fev. 2019. Verbete da Enciclopédia.

Minimalismo

O minimalismo se refere a uma tendência das artes visuais que ocorre no fim dos anos 1950 e início dos 1960 em Nova York, alçada a principal centro artístico com o expressionismo abstrato de Jackson Pollock (1912-1956) e Willem de Kooning (1904-1997). A efervescência cultural dos anos 1960 nos Estados Unidos pode ser aferida pelos diversos movimentos de contracultura e pela convivência de expressões artísticas díspares - da arte pop, celebrizada por Andy Warhol (1928-1987), às performances do Fluxus, cada qual exercitando um temperamento crítico particular. O minimalismo aparece nesse cenário com dicção própria, na contramão da exuberância romântica do expressionismo abstrato. Tributária de uma vertente da arte abstrata norte-americana que remonta a Ad Reinhardt (1913-1967), Jasper Johns (1930) e Frank Stella (1936), a minimal art enfatiza formas elementares, em geral de corte geométrico, que recusam acentos ilusionistas e metafóricos. O objeto de arte, preferencialmente localizado no terreno ambíguo entre pintura e escultura, não esconde conteúdos intrínsecos ou sentidos outros. Sua verdade está na realidade física com que se expõe aos olhos do observador - cujo ponto de vista é fundamental para a apreensão da obra -, despida de efeitos decorativos e/ou expressivos. Os trabalhos de arte, nessa concepção, são simplesmente objetos materiais e não veículos portadores de idéias ou emoções. Um vocabulário construído de ideias como despojamento, simplicidade e neutralidade, manejado com o auxílio de materiais industriais - vidro, aço, acrílico etc. -, é o núcleo do programa da minimal art.
A noção é efetivamente incorporada às artes visuais em 1966, quando R. Wollheim se refere à produção artística dos anos 1960 como concebida com base em "conteúdos mínimos", sem discriminar linhas e tendências, o que é feito pela crítica posterior, que permite localizar inflexões distintas no interior do minimalismo. O suprematismo de Kazimir Malevich (1878-1935), o construtivismo abstrato e o De Stijl [O Estilo] de Piet Mondrian (1872-1944) são atualizados sobretudo por Donald Judd (1928), Ronald Bladen (1918-1988) e Tony Smith (1912-1980) em trabalhos abstratos de cunho geométrico, que dialogam de perto com a estética industrial, na forma e materiais empregados. Nos volumes abertos de Judd, do início dos anos 1960, por exemplo, o artista revela estruturas e materiais. Nas formas seriadas e modulares trabalhadas em meados da década - em que coloca "uma coisa atrás da outra", uma formulação de Judd que se torna célebre -, explora padrões e regularidades, matematicamente calculadas. As lâminas de aço de Smith operam, ora com o sentido de totalidade e inteireza, como por exemplo na peça de aço intitulada Die, 1962, ora com módulos e recortes geométricos, como em Amaryllis, 1965.
Os ready-mades de Marcel Duchamp (1887-1968) e as esculturas de Constantin Brancusi (1876-1957) aparecem como referências primeiras de outra linhagem de trabalhos, à qual se ligam os nomes de Carl Andre (1935), Dan Flavin (1933-1996) e Robert Morris (1931), que põem em xeque as distinções arte/não-arte, denunciando a institucionalização dos objetos artísticos. As toras de madeira montadas em zigue-zague de Andre, por exemplo, Cedar Piece, de 1959, remetem a Brancusi e sobretudo à célebre Endless Column. Nela, ou nas placas retangulares dispostas ao rés-do-chão que ele explora em mais de um trabalho, chamam a atenção a recusa da metáfora, da sedução decorativa ou de um conteúdo a ser decifrado. As obras de R. Morris caminham em direção semelhante: a escultura deixa o pedestal e se fixa no espaço real do mundo. A ênfase passa a ser na percepção, pensada como experiência ou atividade que ajuda a produzir a realidade descoberta. O trabalho de arte, nessa perspectiva, é definido como o resultado de relações entre espaço, tempo, luz e campo de visão do observador. Os trabalhos de Flavin - suas "propostas", como ele as define -  interpelam o espaço de modo mais radical: a luz é difundida no espaço circundante, ocupando-o, cortando-o. Nesse sentido, o espaço está diretamente implicado no trabalho, é mais do que pano de fundo. Os tubos fluorescentes, que ele combina tamanhos, formatos, cores e intensidade de luz, criam uma ambiência arquitetônica particular, que ele denomina "decoração dramática".
Sol LeWitt (1928-2007) e suas wall drawings [desenhos de parede] aparece entre os principais representantes da minimal art, pois ainda que os críticos não hesitem em apontar sua posição particular no movimento, pois suas obras parecem se dirigir preferencialmente à chamada arte conceitual. As obras de James Turrell (1941), Ellsworth Kelly (1923), Eva Hesse (1936-1970), Bruce Nauman e Richard Serra (1939) apresentam soluções diversas com base na pauta definida pelo minimalismo nos Estados Unidos. Em outra direção, as experiências da earthwork, de Robert Smithson (1938-1973) e Walter de Maria (1935), podem ser consideradas suas herdeiras diretas. Os trabalhos de Frederick Lane Sandback (1943) - suas linhas e barbantes que definem limites e aberturas no espaço - atestam a vitalidade de uma geração recente de minimalistas. Apesar de enraízada nos Estados Unidos, a minimal art reverbera na Europa, em obras como as de Joseph Beuys (1912-1986), Yves Klein (1928-1962), Anthony Caro (1924), entre outros.
No Brasil, obras de Donald Judd e Frank Stella estão presentes na 8ª Bienal Internacional de São Paulo (1965). Da produção nacional, destacam-se os nomes de Carlos Fajardo (1941) e Ana Maria Tavares (1958) ambos distantes de um minimalismo mais canônico. Alguns trabalhos de Fábio Miguez (1962) e Carlito Carvalhosa(1961), assim como as obras de Cássio Michalany (1949), apresentam evidentes afinidades com o programa minimalista.

REFERÊNCIAS

BAKER, Kenneth. Minimalism: art of circumstance. New York: Abbeville Press, 1988. 144 p., il. color.
BATTCOCK, Gregory (ed). Minimal Art. A critical anthology. New York: E. P. Dutton, 1968. 448p. i. p&b.
CHILVERS, Ian. Dicionário Oxford de Arte. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
FINEBERG, Jonathan. Art since 1940: strategies of being. New York: Harry N.Abrams, Inc., Publishers, 1995. 496 p., il. color.
SANDBACK, Fred. Sculputure. Rotterdam: Witte de With Cener for Contemporary Art; Chicago: The Renaissance Society for the University of Chicago, 1991. 47 p. il. p&b. color.
MINIMALISMO . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3229/minimalismo>. Acesso em: 15 de Fev. 2019. Verbete da Enciclopédia.

Dadaísmo

Ao contrário de outras correntes artísticas, o dadaísmo apresenta-se como um movimento de crítica cultural mais ampla, que interpela não somente as artes, mas modelos culturais passados e presentes. Trata-se de um movimento radical de contestação de valores que utiliza variados canais de expressão: revista, manifesto, exposição e outros. As manifestações dos grupos dada são intencionalmente desordenadas e pautadas pelo desejo do choque e do escândalo, procedimentos típicos das vanguardas de modo geral. A criação do Cabaré Voltaire, 1916, em Zurique, inaugura oficialmente o dadaísmo. Fundado pelos escritores alemães H. Ball e R. Ruelsenbeck, e pelo pintor e escultor alsaciano Hans Arp, o clube literário - ao mesmo tempo galeria de exposições e sala de teatro - promove encontros dedicados a música, dança, poesia, artes russa e francesa. O termo dada é encontrado por acaso numa consulta a um dicionário francês. "Cavalo de brinquedo", sentido original da palavra, não guarda relação direta, nem necessária, com bandeiras ou programas, daí o seu valor: sinaliza uma escolha aleatória (princípio central da criação para os dadaístas), contrariando qualquer sentido de eleição racional. "O termo nada significa", afirma o poeta romeno Tristan Tzara, integrante do núcleo primeiro.

A geografia do movimento aponta para a formação de diferentes grupos, em diversas cidades, unidos pelo espírito de questionamento crítico e pelo sentido anárquico das intervenções públicas. O clima mais amplo que abriga as várias manifestações dada pode ser encontrado na desilusão e ceticismo instaurados pela Primeira Guerra Mundial, 1914-1918, que alimenta reações extremadas por parte dos artistas e intelectuais em relação à sociedade e ao suposto progresso social. Na Alemanha, nas cidades de Berlim e Colônia, destacam-se os nomes de R. Ruelsenbeck, R.Haussmann, Johannes Baader, John Heartfield, G.Groz e Kurt Schwitters. Em Colônia, Max Ernst - posteriormente um dos grandes nomes do surrealismo - aparece como um dos principais representantes do dadaísmo. A obra e a atuação de Francis Picabia estabelecem um elo entre Europa e Estados Unidos. Catalisador, com Albert Gleizes e A. Cravan, das expressões dada em Barcelona, onde edita a revista 391, Picabia se associa também ao grupo de Tzara e Arp, em Zurique. Em Nova York, por sua vez, é protagonista do movimento com Marcel Duchamp e Man Ray.

Se o dadaísmo não professa um estilo específico nem defende novos modelos, aliás coloca-se expressamente contra projetos predefinidos e recusa todas as experiências formais anteriores, é possível localizar formas exemplares da expressão dada. Nas artes visuais, os ready-made de Duchamp constituem manifestação cabal de um espírito que caracteriza o dadaísmo. Ao transformar qualquer objeto escolhido ao acaso em obra de arte, Duchamp realiza uma crítica radical ao sistema da arte. Assim, objetos utilitários sem nenhum valor estético em si são retirados de seu contexto original e elevados à condição de obra de arte ao ganhar uma assinatura e um espaço de exposição, museu ou galeria. Por exemplo, a roda de bicicleta que encaixada num banco vira Roda de Bicicleta, 1913, ou um mictório, que invertido se apresenta como Fonte, 1917, ou ainda os bigodes colocados sobre a Mona Lisa, 1503/1506 de Leonardo da Vinci, que fazem dela um ready-made retificado, o L.H.O.O.Q., 1919. Os princípios de subversão mobilizados pelos ready-made podem ser também observados nas máquinas antifuncionais de Picabia e nas imagens fotográficas de Man Ray.

Ainda que 1922 apareça como o ano do fim do dadaísmo, fortes ressonâncias do movimento podem ser notadas em perspectivas artísticas posteriores. Na França, muitos de seus protagonistas integram o surrealismo subsequente. Nos Estados Unidos, na década de 1950, artistas como Robert Rauschenberg, Jasper Johns e Louise Nevelson retomam certas orientações do movimento no chamado neodada.

Difícil localizar influências diretas do dadaísmo na produção brasileira, mas talvez seja possível pensar que ecos do movimento dada cheguem pela leitura que dele fazem os surrealistas, herdeiros legítimos do dadaísmo em solo francês. Por exemplo, em obras variadas como as de Ismael Nery e Cicero Dias; nas fotomontagens de Jorge de Lima, que podem ser aproximadas de trabalhos correlatos de Max Ernst; na produção de Flávio de Carvalho. De Carvalho, as performances, tão ao gosto das vanguardas - por exemplo, a relatada no livro Experiência nº 2 -, e também seu projeto para a Fazenda Capuava, construída em 1938, cujas motivações de aproximação arte e vida lembram, segundo algumas leituras, o Merzbau de Schwitters.

DADAÍSMO . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3651/dadaismo>. Acesso em: 15 de Fev. 2019. Verbete da Enciclopédia.

Monólogo dramático