Ao contrário de outras correntes artísticas, o dadaísmo apresenta-se como um movimento de crítica cultural mais ampla, que interpela não somente as artes, mas modelos culturais passados e presentes. Trata-se de um movimento radical de contestação de valores que utiliza variados canais de expressão: revista, manifesto, exposição e outros. As manifestações dos grupos dada são intencionalmente desordenadas e pautadas pelo desejo do choque e do escândalo, procedimentos típicos das vanguardas de modo geral. A criação do Cabaré Voltaire, 1916, em Zurique, inaugura oficialmente o dadaísmo. Fundado pelos escritores alemães H. Ball e R. Ruelsenbeck, e pelo pintor e escultor alsaciano Hans Arp, o clube literário - ao mesmo tempo galeria de exposições e sala de teatro - promove encontros dedicados a música, dança, poesia, artes russa e francesa. O termo dada é encontrado por acaso numa consulta a um dicionário francês. "Cavalo de brinquedo", sentido original da palavra, não guarda relação direta, nem necessária, com bandeiras ou programas, daí o seu valor: sinaliza uma escolha aleatória (princípio central da criação para os dadaístas), contrariando qualquer sentido de eleição racional. "O termo nada significa", afirma o poeta romeno Tristan Tzara, integrante do núcleo primeiro.
A geografia do movimento aponta para a formação de diferentes grupos, em diversas cidades, unidos pelo espírito de questionamento crítico e pelo sentido anárquico das intervenções públicas. O clima mais amplo que abriga as várias manifestações dada pode ser encontrado na desilusão e ceticismo instaurados pela Primeira Guerra Mundial, 1914-1918, que alimenta reações extremadas por parte dos artistas e intelectuais em relação à sociedade e ao suposto progresso social. Na Alemanha, nas cidades de Berlim e Colônia, destacam-se os nomes de R. Ruelsenbeck, R.Haussmann, Johannes Baader, John Heartfield, G.Groz e Kurt Schwitters. Em Colônia, Max Ernst - posteriormente um dos grandes nomes do surrealismo - aparece como um dos principais representantes do dadaísmo. A obra e a atuação de Francis Picabia estabelecem um elo entre Europa e Estados Unidos. Catalisador, com Albert Gleizes e A. Cravan, das expressões dada em Barcelona, onde edita a revista 391, Picabia se associa também ao grupo de Tzara e Arp, em Zurique. Em Nova York, por sua vez, é protagonista do movimento com Marcel Duchamp e Man Ray.
Se o dadaísmo não professa um estilo específico nem defende novos modelos, aliás coloca-se expressamente contra projetos predefinidos e recusa todas as experiências formais anteriores, é possível localizar formas exemplares da expressão dada. Nas artes visuais, os ready-made de Duchamp constituem manifestação cabal de um espírito que caracteriza o dadaísmo. Ao transformar qualquer objeto escolhido ao acaso em obra de arte, Duchamp realiza uma crítica radical ao sistema da arte. Assim, objetos utilitários sem nenhum valor estético em si são retirados de seu contexto original e elevados à condição de obra de arte ao ganhar uma assinatura e um espaço de exposição, museu ou galeria. Por exemplo, a roda de bicicleta que encaixada num banco vira Roda de Bicicleta, 1913, ou um mictório, que invertido se apresenta como Fonte, 1917, ou ainda os bigodes colocados sobre a Mona Lisa, 1503/1506 de Leonardo da Vinci, que fazem dela um ready-made retificado, o L.H.O.O.Q., 1919. Os princípios de subversão mobilizados pelos ready-made podem ser também observados nas máquinas antifuncionais de Picabia e nas imagens fotográficas de Man Ray.
Ainda que 1922 apareça como o ano do fim do dadaísmo, fortes ressonâncias do movimento podem ser notadas em perspectivas artísticas posteriores. Na França, muitos de seus protagonistas integram o surrealismo subsequente. Nos Estados Unidos, na década de 1950, artistas como Robert Rauschenberg, Jasper Johns e Louise Nevelson retomam certas orientações do movimento no chamado neodada.
Difícil localizar influências diretas do dadaísmo na produção brasileira, mas talvez seja possível pensar que ecos do movimento dada cheguem pela leitura que dele fazem os surrealistas, herdeiros legítimos do dadaísmo em solo francês. Por exemplo, em obras variadas como as de Ismael Nery e Cicero Dias; nas fotomontagens de Jorge de Lima, que podem ser aproximadas de trabalhos correlatos de Max Ernst; na produção de Flávio de Carvalho. De Carvalho, as performances, tão ao gosto das vanguardas - por exemplo, a relatada no livro Experiência nº 2 -, e também seu projeto para a Fazenda Capuava, construída em 1938, cujas motivações de aproximação arte e vida lembram, segundo algumas leituras, o Merzbau de Schwitters.
DADAÍSMO . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3651/dadaismo>. Acesso em: 15 de Fev. 2019. Verbete da Enciclopédia.
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