terça-feira, 20 de agosto de 2019

ACTION PAINTING


Prefiro atacar a tela não esticada, na parede ou no chão [...] no chão fico mais à vontade. Me sinto mais próximo, mais uma parte da pintura, já que desse modo posso andar em volta dela, trabalhar dos quatro lados, e literalmente estar na pintura [...]. Quando estou em minha pintura, não tenho consciência do que estou fazendo. Estas palavras do pintor norte-americano Jackson Pollock (1912-1956), em 1947, definem de modo sintético os traços essenciais de sua técnica e estilo de pintura, batizado de action painting pelo crítico norte-americano Harold Rosenberg, em 1952. Pollock estira a tela no solo e rompe com a pintura de cavalete. Sobre a tela, a tinta - metálica ou esmalte - é gotejada e/ou atirada com "paus, trolhas ou facas", ao ritmo do gesto do artista. O pintor gira sobre o quadro, como se dançasse, subvertendo a imagem do artista contemplativo - ele é parte da pintura - e mesmo a do técnico ou desenhista industrial que realiza o trabalho de acordo com um projeto. O trabalho é concebido como fruto de uma relação corporal do artista com a pintura, resultado do encontro entre o gesto do autor e o material. "Antes da ação", diz Pollock, "não há nada: nem sujeito, nem objeto." Descarta também a noção de composição, ancorada na identificação de pontos focais na tela e de partes relacionadas. O tratamento uniforme da superfície da tela e o abandono de idéias tradicionais de composição - por exemplo a de que a obra deve ter um centro - levam à pintura denominada de all-over pelo crítico norte-americano Clement Greenberg.

Após uma fase figurativa, sob influência da pintura regionalista do pintor norte-americano Thomas Hart Benton (1889-1975) e dos muralistas mexicanos, Pollock começa a realizar pinturas abstratas, em meados dos anos 1940. As telas têm dimensões ampliadas e são integralmente ocupadas por respingos, manchas, arabescos e espirais emaranhados, como em Trilhas Onduladas (1947), ou em Número 1 (1949). A marca do trabalho é a liberdade de improvisação, o gesto espontâneo, a expressão de uma personalidade individual. As influências do automatismo surrealista são evidentes, ainda que não referidas apenas à mão e à escrita - como nos escritores - mas a todo o corpo do artista. Diferenças à parte, observa-se a mesma ênfase na intuição e no inconsciente como fonte de criação artística (lembrar as afinidades de Pollock com a psicologia de Jung). Nas formas alcançadas, nota-se a distância em relação à abstração geométrica e as afinidades com o biomorfismo surrealista, no qual as formas obtidas - próximas às formas orgânicas - enfatizam as ligações entre arte e vida, entre arte e natureza. Alguns críticos sublinham as afinidades da action painting com o jazz, música que se faz tocando, ao sabor do improviso e da falta de projeto preliminar.

A action painting, ainda que atinja seu ponto máximo com Pollock, é exercitada por outros artistas reunidos em torno do expressionismo abstrato, primeiro estilo pictórico norte-americano a obter reconhecimento internacional. A recusa das técnicas artísticas tradicionais assim como a postura crítica em relação à sociedade e ao establishment americano aproximam um grupo bastante heterogêneo de pintores e escultores, entre eles Mark Rothko (1903-1970), Adolph Gottlieb (1903-1974), Willem de Kooning (1904-1997) e Ad Reinhardt (1913-1967). Os emaranhados de linhas e cores que explodem nas telas de Pollock afastam a ideia de mensagem a ser decifrada. Do mesmo modo os quadros de Rothko, com suas faixas de pouco brilho e sutis passagens de tons, ou mesmo as soluções figurativas de De Kooning, não visam oferecer chaves de leitura. A ausência de modelos, a idéia de espontaneidade relacionada ao trabalho artístico e o gesto explosivo do pintor que desintegra a realidade fazem parte de uma retórica comum ao expressionismo abstrato, a partir da qual os artistas constroem dicções próprias.

As obras de Pollock e a action painting, tornadas estilo, tiveram forte impacto em diversos países da Europa a partir de 1960. No Brasil, parece temerário pensar em seguidores das pesquisas iniciadas pelo expressionismo abstrato. Ainda que alguns críticos aproximem as obras de Manabu Mabe (1924-1997), Tomie Ohtake (1913), Iberê Camargo (1914-1994) e Flavio-Shiró (1928) dessa vertente, elas parecem se ligar antes ao tachismo ou ao abstracionismo lírico, adotado também por Cicero Dias (1907-2003) e Antonio Bandeira (1922-1967). Nos anos 1980, a obra de Jorge Guinle (1947-1987) aparece como exemplo de leitura particular da pintura de De Kooning.

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